terça-feira, 16 de março de 2010

PONTOS DE TANGÊNCIA DAS VIAS DE RESPONSABILIDADE POR DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

O descumprimento de uma obrigação ou dever jurídico pode dar ensejo à responsabilidade civil, penal ou administrativa, conforme a natureza jurídica da sanção prevista no ordenamento jurídico para cada caso. Isto ocorre devido à finalidade distinta de cada espécie de responsabilidade, cuja aplicação independe da outra.




A despeito do caráter autônomo das vias de responsabilidade, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência e até o próprio direito objetivo reconhecem a existência de áreas de interseção. Uma delas consiste em que uma mesma conduta é passível de violar ao mesmo tempo normas de direito penal e de direito privado, o que dará ensejo à responsabilidade civil e penal, cumulativamente, como ocorre nos casos de crimes contra o patrimônio.



No direito positivo, merece destaque a Lei de Crimes Ambientais (no 9.605/98), que, denotando preocupação com a reparação do dano ambiental, criou novos pontos de interseção entre as vias de responsabilidade, priorizando, no entanto, a aplicação de penas restritivas de direito em vez de penas privativas de liberdade, sempre que presentes as condições previstas em seu art. 7o.



Com efeito, a Constituição Federal de 1988 previu a hipótese de transação no caso de infração penal de menor potencial ofensivo (art. 98, I), no âmbito dos juizados especiais. Seguiu-se a edição da Lei no 9.099/95, que regulamentou o dispositivo constitucional, autorizando o Ministério Público a deixar de propor ação penal pública caso o infrator, voluntariamente, aceite a proposta de transação penal, devidamente homologada pelo juiz, seja na forma de prestação de serviços à comunidade ou de doação de cestas básicas a entidades carentes. Verifica-se, nestes casos, que o princípio da discricionariedade regrada veio substituir ao da obrigatoriedade da ação penal pública. (SAMPAIO, 1998.)



Observe-se que a transação penal e a composição civil de danos (Lei nº 9.099/95, arts. 72 e 74) não se confundem. O instituto de natureza civil deve anteceder a transação penal entre vítima e acusado, importando, inclusive, em renúncia ao direito de queixa ou representação. Ademais, “ao contrário da transação, que nenhum efeito produz na esfera civil, a composição de danos, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, tem eficácia de título a ser executado no juízo cível competente”. (SAMPAIO, 1998, p. 25.)



Francisco José Marques Sampaio afirma que “a Lei nº 9.099/95, em matéria de direitos indisponíveis, inovou apenas ao possibilitar que o Ministério Público deixe de propor ação penal, atendidas determinadas condições, excepcionando, em tais casos, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. (...) a composição do dano ambiental, de que trata o art. 27 da Lei no 9.605/98, portanto, somente pode ser validamente firmada entre o suposto infrator e o Ministério Público, caso não importe em qualquer concessão em favor do suspeito que prejudique a integral reparação do dano, porque não se pode dispor de direitos difusos sem expressa previsão legal que o permita. Ademais, acordo que contivesse redução de medidas compensatórias ou de indenização devida para reparação de danos ambientais violaria o art. 255 da Constituição Federal. A norma constitucional prevê a obrigação de reparar ‘os danos’, isto é, todos os danos” (1998, p. 25).



Ainda segundo o autor, é importante examinar se, por força do § 6o introduzido no art. 5o da Lei no 7.347/85, direitos difusos e coletivos teriam se tornado disponíveis pelo art. 113 do Código de Defesa do Consumidor. Diz ele: “O mencionado § 6o permite que os órgãos públicos legitimados para propositura de ação civil pública tomem dos interessados ‘compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais’, mediante cominações, o qual terá eficácia de título executivo judicial. Poderia haver ‘compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais’ que contivesse concessões em prejuízo da integral reparação de danos ambientais?” (SAMPAIO, 1998, p. 25-26.)



Igualmente importante é analisar se o art. 27 da Lei no 9.605/98 teria criado hipótese de disponibilidade de direitos difusos relativamente ao meio ambiente, na busca da composição de que tratam os arts. 72 e 74 da Lei no 9.099/95. Entende SAMPAIO (1998, p. 26) que, “apesar de tal interpretação se colocar aparentemente em oposição à noção de integral reparação de danos, expressa no aludido art. 225, § 3o, da Constituição Federal, argumentar-se-ia que encontra esteio no inciso I do art. 98 da própria Carta, que prevê a criação, por lei, de hipóteses de transação em processos que tramitam perante juizados especiais.



E prossegue o autor: “Outra forma de compatibilizar o art. 27 da Lei no 9.605/98 e o trâmite de processos perante o Juizado Especial Criminal com a integral reparação de danos ambientais seria buscar a composição de que tratam os arts. 72 e 74 da Lei no 9.099/95, não em relação a danos ambientais propriamente ditos, mas apenas para danos individuais que daqueles decorram. Desse modo, a composição poderia se dar normalmente entre vítima e autor do dano, superando-se as dificuldades em obter anuência do acusado para a integral reparação do dano cuja dimensão, no momento da audiência preliminar, não fora sequer estimada e cuja avaliação, necessariamente, dependeria de perícia (...), situação incompatível com os princípios basilares dos juizados especiais”. (SAMPAIO, 1998, p. 26-27.)



Neste sentido, as ações que demandarem avaliação de expert e que não estejam previstas na competência do Juizado Especial não podem ali ser processadas e julgadas.



No tocante à responsabilidade por infração administrativa, a Lei nº 9.605/98 (arts. 70 a 76) alterou critérios estabelecidos na Lei no 6.938/81, levando em apreço as áreas de interseção entre as diferentes formas de responsabilidade. Verifica-se, então, que também na via administrativa podem ser aplicadas sanções restritivas de direitos, além de advertência, multa, embargo de obra ou atividade, entre outras.



Cremos, no entanto, que os diversos pontos de contato entre as vias de responsabilidade por degradação ambiental merecem ser analisados com prudência, equilíbrio, ponderação e razoa­bilidade na resposta repressiva, mas também educativa, à reparação do dano, a fim de se evitar novos atos lesivos ao meio ambiente.

Primariedade e bons antecedentes não afastam caráter hediondo do tráfico de drogas

Condenada a seis anos de prisão - em regime inicialmente fechado - por tráfico e associação para o tráfico de drogas em Santa Catarina, Charlene Torresani teve pedido de liminar em Habeas Corpus (HC nº 102.881) negado pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua defesa tenta, com o habeas corpus, alterar o regime inicial de cumprimento da pena para semiaberto.




Para o advogado de Charlene, o fato de ter sido reconhecido, na sentença condenatória, a primariedade e os bons antecedentes como causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da nova Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/06), inviabiliza o reconhecimento do caráter hediondo do crime de tráfico. Assim, não seria aplicável ao caso o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) – dispositivos que prevêem, respectivamente, o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado e a possibilidade de progressão da pena somente após o cumprimento de parte da pena – 2/5 se réu primário e 3/5 se reincidente.



Em sua decisão, o Ministro Joaquim Barbosa lembrou que a cabeça do art. 2º da Lei nº 8.072/90 equipara o crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos, sem qualquer ressalva aos casos em que se reconheça a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. “Logo, ao menos à primeira vista, o reconhecimento dessa causa de diminuição de pena (primariedade e bons antecedentes), por si só, não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”, disse o ministro.



Ao negar o pedido de liminar, o ministro explicou, ainda, que a fixação do regime prisional depende não só do montante da pena aplicada, como também da análise das circunstâncias judiciais, “as quais, além de não terem sido questionadas pelo impetrante, não podem ser reexaminadas na via estreita do habeas corpus”.



Fonte: STF