sábado, 20 de fevereiro de 2010

ESTRESSE NA ADVOCACIA

Os novos tempos são, de fato, incríveis. Eles nos trouxeram a velocidade das transmissões via satélite, a Internet, o celular, dentre outras facilidades que proporcionam eficiência (fazer mais do que na era analógica). Deixaram a nossa agenda com mais espaço para preencher. E, com isso, fomos engolidos pelo excesso de atividades, compromissos, e novas e irre­cusáveis demandas de clientes, parceiros, amigos e família.




A ameaça invisível tem nome: estresse. Na advocacia, os profissionais da área estão mais próximos deste amea­çador inimigo do que imaginam. São situações que, de tão rotineiras, pare­cem normais, porém, cobram um preço alto: a saúde. São tantos prazos, pressão por trabalhar no tempo limítrofe, clientes exigentes, equipe desorganizada e improdutiva, contas a pagar, recebimentos insuficientes em relação ao esforço, troca de advogados no escritório, secretárias que não dão recados, uma família em casa a te esperar e exigir atenção...



Já se acostumou a comer uma fritura qualquer a caminho de uma audiên­cia e a não ir à academia para ficar trabalhando? A bateria de exames anual? Ah, deixa para o ano que vem. Aniversário de casamento? Tem todo ano. Férias? Nem pensar. E assim caminha a saúde individual e a vida familiar que, claro, impactará na vida profisssional.



Há um exagero de informações técnicas que os advogados devem assimilar. E você deve dar conta do recado, mas não a qualquer preço. Na maioria das vezes seu corpo dá sinais que algo errado está acontecendo: palpitações, cansaço persistente, insônia, mudanças de peso, dores de cabeça, falta de ar, dores no peito, dores musculares, hipertensão arterial, até mesmo doenças mais sérias, como depressão e ansiedade. Deve-se, porém, escutar esses alarmes. Respeitar seus limites. Uma febre pode ser sua aliada, afinal, é um sinal precoce que seu corpo dá perante uma infecção. E os sinais do estresse também são visíveis. “Deixar pra lá” pode significar um alto preço a pagar.



Atingido pelos sinais do estresse, o advogado começa a perder a autoconfiança, seu pensamento fica cada vez mais lento e confuso, passando a se sentir impotente perante tantos assuntos inacabados. Isso gera aumento visível nos conflitos internos do escritório e em família, e, por conseguinte, um sentimento desconfortável de “não ser mais o mesmo”. Porém, a mente consciente cobra dar conta de tanto trabalho e pressão. E estes lados opostos é que aumentam o estresse.



Possivelmente, muitos leitores estão se vendo descritos nestas linhas. Mas, e na prática, o que é possível fazer sem jogar tudo para o ar e ter alguns anos sabáticos?



Seguem algumas dicas de saúde, que no início podem parecer impossíveis, mas que, se realizadas gradativamente, farão uma grande diferença em sua carreira. Afinal, com saúde se chega mais longe!



DORMIR BEM. Tente dormir sempre antes das 23h, mantendo um sono contínuo de cerca de sete horas. Seu corpo necessita seguir fases do sono e atingir três horas de sono REM. Isso aumentará consideravelmente sua longevidade intelectual. Em seguida, passe a dormir trinta minutos antes até que esteja indo deitar-se às 22:30h, devendo “pegar no sono” após quinze minutos.



INGESTÃO DE ÁGUA. Seu cérebro é feito basicamente de água. Ele funcionará bem melhor se tiver disposição de matéria-prima. Café e refrigerante devem ser moderados, e sucos e chás altamente diluídos são bem-vindos. Só não ingira tantos líquidos após as 18h, para não afetar a qualidade de seu sono.



ALIMENTAÇÃO REGULAR E SAUDÁVEL. Procure ter variedade de três a cinco vegetais ou frutas de diferentes cores em seu prato. Um tomate (vermelho), o alface (verde), a cenoura (amarelo) e a couve-flor (branco). Coma carboidratos (arroz, massas, pão) e carnes (sempre grelhadas ou assadas) diariamente. Busque comer mais vezes ao dia, em menores porções. Assim, sempre haverá nutrientes cir­culando e seu corpo funcionará bem melhor.



ATIVIDADE FÍSICA. As endorfinas liberadas pela atividade física são “a fonte da juventude” intelectual e física. Apenas 40 minutos diários farão sua vida mudar muito. Vale ir trabalhar a pé ou de bicicleta (com roupa adequada), subir pela escada e aposentar o elevador, ou sair 40 minutos mais cedo para que eles te rendam anos a mais de vida. Afinal, sua produtividade estará tão melhor que poderá sair antes!



ATITUDE MENTAL POSITIVA. Seja afetivo, tenha bons sentimentos, mas filtre o que entrará. Muitos sentimentos e posturas que cultivamos são puro lixo, e devem ser tratados como tal. Não seja tão reativo aos sentimentalismos e opiniões alheias, primeiro os assimile, veja se são necessários e te farão bem, do contrário, elimine-os. Aprenda com seus erros, e pense que pode e sabe fazer melhor.



Assim, driblar o estresse ficará fácil, pois sua barreira será efetiva. A pressão desta linda profissão continuará, mas você mudou, e para melhor.

Lara Selem e Raquel Heep Bertozzi


LARA SELEM é Advogada e Sócia de Selem, Bertozzi & Consultores Associados. Autora, dentre outros livros, de Advocacia: Gestão, Marketing e Outras Lendas.



RAQUEL HEEP BERTOZZI é Médica Clínica Geral, especializanda em Psiquiatria pelo Hospital de Clínicas de Curitiba-UFPR.
Revista Jurídica Consulex nº 314


Gestão de Escritório

QUEBRA (VIRTUAL) DA FIDELIDADE CONJUGAL

A Internet pode ser considerada como um instrumento facilitador. Facilita o trabalho, o acesso à informação, o consumo, a comunicação e, também, no âmbito das relações conjugais, podemos dizer que ela facilita a traição. A troca de mensagens virtuais que revelem um envolvimento amoroso com terceiro evidencia a quebra do dever de fidelidade, enunciado pelo art. 1.566 do Código Civil Brasileiro.




Fidelidade remete à lealdade de um dos cônjuges para com o outro e o descumprimento deste dever ocorre, genericamente, de duas formas: por meio da conjunção carnal de um dos cônjuges com um terceiro (adultério) ou de atos que não revelem, à primeira vista, a existência de contato físico, mas que demonstrem a intenção de um comprometimento amoroso fora da sociedade conjugal (quase-adultério). O simples descumprimento do dever de fidelidade, seja pelo adultério ou pelo quase-adultério, é suficiente para embasar um pedido de separação judicial litigiosa (art. 1.572 do Código Civil).



E como comprovar a infidelidade virtual? Se as cópias de e-mails e mensagens em sites estiverem gravadas e disponíveis em um computador de uso comum da família e não haja necessidade de senha de uso pessoal para acessá-las, a apresentação desse material em juízo é válida. No entanto, se o computador é de uso pessoal e se para acessar as mensagens se faz necessária a inserção de senha, é preciso que o outro cônjuge autorize o acesso, sob pena de restar configurada ofensa à garantia constitucional da intimidade e à vida privada, e a prova ser invalidada.



Demonstrada a infidelidade em um pedido de separação judicial litigiosa, quais serão as consequências da traição? Neste ponto devem ser feitas algumas ponderações. O art. 1.578 do Código Civil estabelece que o cônjuge declarado “culpado” na separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que o cônjuge “inocente” requeira. A alteração no nome não será feita se a retirada do sobrenome causar prejuízo ao “culpado”. Já o art. 1.704 observa que o cônjuge “culpado”, caso venha a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, poderá reivindicá-los do outro cônjuge, mas apenas em valor suficiente para a sua sobrevivência.



Ocorre, no entanto, que as referidas consequências podem ser analisadas independentemente da aferição da culpa pela separação. A questão da retirada do nome pode ser examinada apenas pela perspectiva do prejuízo de sua supressão. O dever de alimentos, por sua vez, pode ser examinado diante da perspectiva da necessidade/possibilidade, o que independe da apreciação da culpa. Desta forma, o entendimento de grande parte dos tribunais brasileiros e da doutrina contemporânea de direito de família é no sentido de não mais se declarar a culpa na separação. A ideia é que discutir culpa na separação é abrir espaço para um debate inócuo, desconsiderando que o rompimento da relação é resultado de uma sucessão de acontecimentos e desencontros próprios do convívio e das fragili­dades pessoais de cada cônjuge. Assim, questões como “traição virtual”, apesar de poderem justificar o pedido de separação judicial litigiosa, não implicam em “punição” ao cônjuge infiel.



Mas, e se a infidelidade não foi apenas causa do fim do casamento, mas também motivo de aniquilação da honra do cônjuge ofendido, que implique para ele em dificuldades e abalos psíquicos consideráveis? Neste caso, será possível a reparação pelo dano moral sofrido, tratando-se de responsabilidade civil no âmbito das relações familiares, sem buscar a punição do cônjuge infiel, e sim reparar o dano moral suportado por quem foi surpreendido e abalado pela infidelidade.



Concluímos, portanto, que a traição virtual pode representar a quebra do dever de fidelidade e justificar o pedido de separação judicial. No entanto, o cônjuge traidor não será declarado culpado pelo fim do casamento nem sofrerá sanções específicas, na separação, por seu comportamento. Não quer dizer, no entanto, que quem sofre com a traição deva amargá-la para sempre. Se o dano sofrido foi substancial, sua reparação, no âmbito da responsabilidade civil, pode ser avaliada.

Juliana Marcondes Vianna


Advogada Associada ao Escritório Katzwinkel e Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, com extensão universitária pela Universidade de Lisboa, Portugal. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Curitiba.
Revista Jurídica Consulex nº 314


Painel do Leitor

O DIAGNÓSTICO DA DEFICIÊNCIA EM CONCURSOS PÚBLICOS

Após a Constituição Federal de 1988, para o acesso aos cargos públicos de provimento efetivo, a pessoa deficiente conta com reserva de vagas, exceto em hipóteses justificadas.




A base de cálculo para a incidência do percentual legal que assegura a reserva de vagas é a quantidade de vagas disponíveis no processo seletivo, e não o quantitativo de cargos existentes no órgão, quer providos quer não.



A definição da base de cálculo é uma das questões mais debatidas no Poder Judiciário, além da análise sobre o argumento de impossibilidade aritmética de cumprir a reserva de 5%, quando a divisão resulta em número fracionado. Os tribunais brasileiros têm decidido que, mesmo quando a fração é inferior a meio, o arredondamento para cima é a solução mais equânime para salvaguardar o direito social de acesso ao mercado de trabalho.



Outra questão, posterior ao reconhecimento da idoneidade da reserva de vagas, diz respeito aos critérios para diagnóstico da deficiência nos concursos públicos.



Segundo a ONU, o mundo abriga cerca de 610 milhões de pessoas deficientes. A maioria delas vive em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Para o Censo 2000 do IBGE, 24,6 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, algo como 14,5% da população nacional. Antes de 2000, os levantamentos indicavam a existência de menos de 2% de deficientes no País – distorção corrigida pela melhora dos instrumentos de coleta de informações, que agora seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).



A deficiência visual – não necessariamente cegueira completa – é a mais presente nos brasileiros, representando quase a metade (48,1%) da população deficiente. Em seguida, vêm as deficiências motoras e físicas, que somam 27,1%. A terceira maior incidência é a deficiência auditiva (16,6%) – considerados os diferentes graus de perda auditiva, desde a surdez leve até a anacusia – e, por último, aparece a deficiência cognitiva, que atinge 8,2% dessa população.



Vários estudos mostram que não existe consenso sobre a melhor denominação para se referir à população deficiente. O termo pessoa portadora de necessidades especiais (PNE) é considerado inadequado, porque todas as pessoas precisam de cuidados especiais em algum momento da vida, como é o caso das mulheres grávidas e dos idosos. É preferível usar a expressão pessoa deficiente ou deficiente.



Para além dos debates sobre o vocabulário mais adequado ao tema, também o conceito de deficiência é alvo de reflexões teóricas profundas. O caso do HIV/AIDS e da concessão do Benefício da Prestação Continuada (BPC) é um exemplo simbólico forte.



O BPC é um benefício assistencial voltado para idosos com idade acima de 65 anos e/ou deficientes, ambos com renda inferior a ¼ do salário-mínimo. Considerando a dificuldade de encaixar a doença como uma ponte para a experiência da deficiência, peritos-médicos do INSS têm diferentes percepções sobre o HIV/AIDS. Diante de pessoas em estágio avançado da doença e que preenchiam os demais requisitos, 82% deles deferiam o BPC, enquanto os outros 18% indeferiam.



No caso dos concursos públicos, não se sabe o que determina o corte de elegibilidade, ou seja, qual é a compreensão de deficiência vigente entre os peritos-médicos, se lastreada no modelo médico e/ou no modelo social de deficiência. Não se sabe quem são os deficientes e quais deles são elegíveis para concorrer dentro da margem de reserva. Os editais de concursos públicos mais recentes não abordam esses aspectos, mas uma breve análise sugere que a medicalização das lesões é o critério preponderante e/ou determinante, pois as principais fontes para julgamento são os laudos médicos e as inspeções, com exclusão e negligência de dados sociais. Com isso, se o corpo não traz a marca visível da deficiência, os riscos de indeferimentos abusivos aumentam.



A falta de legislação federal sobre concursos públicos, apesar de projetos de lei em trâmite, é indício de que, se existem critérios, eles são potencialmente aleatórios e voláteis, ainda mais quando os peritos-médicos costumam ser temporariamente contratados pelas fundações responsáveis pelos certames.



Assim como nos casos de visão monocular e daltonismo, é possível que uma pessoa com paralisia cerebral leve, sem mobilidade de um dos dedos dos pés, seja considerada deficiente para fins de concorrência às vagas reservadas em concursos – ou o contrário.



A ausência de critérios transparentes delimitados favorece a multiplicidade de interpretações sobre quem é deficiente para essa finalidade, pois é possível, por exemplo, que uma pessoa seja considerada deficiente para fins de concorrência às vagas reservadas em concursos públicos e não para a fruição do BPC. Nisso não há paradoxo, pois os critérios para concessão podem não ser todos coincidentes entre si.



O desafio, no caso dos concursos públicos, é estabelecer critérios claros para que cada candidato seja tratado do mesmo modo no processo de seleção para as cotas. A falta de definição das ferramentas conceituais que os peritos-médicos possam usar para tomar suas decisões de modo mais sistemático e uniforme reduz as chances de objetividade na seleção dos candidatos deficientes e amplia o risco de idiossincrasias pessoais dos avaliadores interferirem na definição da situação dessas pessoas, como indica o exemplo do HIV/AIDS e do BPC. O Poder Judiciário é escolhido como plano B para corrigir equívocos, mas o déficit teórico dos juízes sobre o tema, salvo exceções, costuma repercutir mal nas decisões judiciais.



A deficiência é conceito complexo que, além de reconhecer o corpo com lesão, denuncia a estrutura que aparta do convívio social a pessoa deficiente. A reserva de vagas funciona como mecanismo de mobilidade social do deficiente ao longo da vida. Ações afirmativas nesse sentido contribuem para a concretização de um projeto de justiça social urgente: a integração dos deficientes. É evidente que se, por um lado, o modelo médico permite erros e/ou diagnósticos incompletos ou injustos para fins da elegibilidade às vagas reservadas, por outro, ao menos viabiliza alguma resposta constitucional – pior seria sem ele. Mas, se as fraudes nos exames se dão em razão de perícia exclusivamente lastreada no modelo médico, essa é uma inferência importante para a revisão do processo como hoje ele ocorre.



A seriedade das juntas médicas não exime o Poder Público de revisar o sistema de seleção em respeito aos princípios que sustentam e justificam as ações afirmativas, que segregam para promover inclusão. Um modo de seleção que permite às pessoas que não experimentam a deficiência, apesar de suas lesões, concorrerem na cota para deficientes talvez seja falho, o que o situa aquém dos anseios constitucionais. A constatação do problema é o primeiro passo para uma reflexão.

Arryanne Queiroz


Delegada da Polícia Federal e Membro do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS)
Revista Jurídica Consulex nº 314


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