terça-feira, 2 de março de 2010

PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À CIDADANIA NO CIBERESPAÇO

A intensa incorporação das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) no cotidiano de crianças e adolescentes traz muitos desafios à proteção dos seus direitos e à formação para a cidadania, o que ocorre no âmbito familiar e também nos espaços públicos de socialização.




Com efeito, diante das constantes mudanças que se verificam na sociedade e das diferenças na familiaridade com que gerações de pais/educadores e filhos/alunos manipulam as novas tecnologias, torna-se preciso atualizar permanentemente as medidas de proteção aos direitos das crianças e adolescentes nos diversificados espaços públicos frequentados por elas. Um dos primeiros desafios é fazer com que entendam o ciberespaço como um espaço público no qual pessoas, e não meros computadores, relacio­nam-se socialmente.



Ao usar a Internet, por exemplo, a criança e/ou adolescente acessa um espaço público planetário, imensurável, em que transita todo tipo de informação e de pessoas, e assim como em todo espaço público amplo e movimentado, no ciberespaço também há crimes, golpes e violações aos direitos humanos, em diferentes graus. A discussão que propomos a seguir está baseada nas ações da SaferNet Brasil – associação civil sem fins lucrativos que atua na promoção e defesa dos direitos humanos na Internet, incluindo o combate à pornografia infantil.



Visando oferecer uma resposta eficiente aos graves problemas relacionados com o uso dos serviços da Internet



para a prática de ilícitos, particularmente aliciamento (corrupção de menores) e produção e difusão em larga escala de imagens de abuso sexual envolvendo crianças e adolescentes (pedofilia e pornografia infantil), e outras formas de violações aos direitos humanos, como racismo, neonazismo, intolerância religiosa, homofobia, além de apologia e incitação à prática de crimes contra a vida, o que tem afetado principalmente jovens internautas brasileiros, a Safernet Brasil criou a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, que se constitui um sistema automatizado de gestão de denúncias, baseado em Software Livre, operado em parceria com o Ministério Público Federal desde 2006 e com a Polícia Federal e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República a partir de 2008.



O uso da Internet pelos pedófilos compreende, entre outras práticas criminosas: (i) troca e difusão de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes; (ii) venda de viagens para relacionar-se com jovens; (iii) produção de imagens de cunho pornográfico e sexual de crianças; (iv) difusão de anúncios e mensagens visando aliciar crianças e adolescentes; (v) incitação ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.



A situação, porém, é agravada pela grande demanda por material pornográfico infantil, que incentiva a produção e o comércio ilícito. Por outro lado, é comum os detentores das imagens pornográficas, em geral obtidas de forma não consentida, utilizarem-nas para pressionar, intimidar ou subornar as crianças e adolescentes explorados, já que é impossível ao leigo distinguir o virtual do real.



Neste sentido, merece destaque o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (www.denunciar.org.br) no combate à pornografia infantil e às diferentes formas de violações aos direitos humanos. As denúncias feitas através do sistema automatizado são processadas e enviadas às autoridades compentes, para a adoção das providências que se fizerem necessárias. As infrações mais comuns são pornografia infantil ou pedofilia (ECA, art. 241), racismo, neonazismo, intolerância religiosa (Lei nº 7.716/89, art. 20, § 1º), incitação à prática de crimes contra a vida (CP, arts. 286 e 287), homofobia (CF, art. 3º, XLI e 5º, XLI) e maus-tratos aos animais (Lei nº 9.605/98, art. 32).



Inicialmente projetada para receber e processar 1.200 denúncias por mês, a Central Nacional de Crimes Cibernéticos atingiu a impressionante marca de 998.633 casos já no fim do segundo ano de trabalho. Hoje, recebe cerca de 2.500 denúncias por dia. Somente no primeiro semestre de 2009 foram 44.106 (páginas únicas), das quais 63% (22.761) envolvendo a veiculação de pornografia infantil e pedofilia no Orkut (URLs únicas).



Em 2008, os relatórios de denúncias de pornografia infantil e pedofilia entregues pela SaferNet Brasil à CPI da Pedofilia resultaram na quebra do sigilo de 21.591 páginas do Orkut, o que permitiu à Polícia Federal iniciar as investigações visando identificar e punir os criminosos que atuam na rede sob o manto da impunidade.



Nada obstante, tem-se como certo que, com a democratização do acesso à Internet, haverá um aumento do público produtor e consumidor de pornografia infantil na rede e ao mesmo tempo do número de crianças e adolescentes vulneráveis ao aliciamento sexual ou mesmo à exploração sexual comercial, o que exigirá ainda mais atenção dos setores envolvidos no combate a essas práticas criminosas.



A intensa navegação de crianças e adolescentes brasileiros na Internet pode ser ilustrada com dados da pesquisa realizada, em 2008, pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br): 59% da população na faixa etária de 10 a 15 anos já tiveram acesso à rede; destes, 49% usam-na com mais frequência nos centros públicos pagos (lan houses, cibercafés), espaços geralmente pouco preparados para educar e proteger o público infanto-juvenil dos perigos on-line. Já a pesquisa sobre hábitos de segurança on-line, realizada pela SaferNet com 875 crianças e adolescentes, aponta para a vulnerabilidade deste público na Internet: 53% dos entrevistados relataram o contato com conteúdos agressivos que consideravam impróprios para sua idade; 28% afirmaram já ter se encontrado pessoalmente com pessoa conhecida on-line sem que os pais soubessem; e 10% ter sofrido algum tipo de chantagem na rede.



A Internet é um campo aberto às relações sociais e à busca do conhecimento, mas também envolve riscos. Urge, portanto, o incremento das medidas de prevenção e a criação de métodos de avaliação dos trabalhos de orientação no tocante aos cibercrimes. Noções do uso ético e seguro das novas tecnologias precisam ser incluídas na agenda de atividades das escolas. Aliás, deve a educação complementar as ações de combate à pratica de crimes cibernéticos, para que todos possam usufruir, ao máximo, os recursos disponíveis no ciberespaço.



É preciso aceitar o desafio de desnaturalizar a noção de que a Internet é um espaço sem lei, no qual se pode fazer qualquer coisa com a certeza da impunidade. Esta noção beneficia, em especial, aqueles que se utilizam de crianças e adolescentes para a prática de crimes na rede.



O momento atual se caracteriza por profundas mudanças psicossociais na infância, adolescência e juventude, proporcionadas, dentre outros fatores, pelo uso intenso das diversificadas formas de tecnologia para o lazer, o estudo e a comunicação, o que também exerce forte influência no universo pessoal dos adultos, nas áreas do consumo e do trabalho, e até mesmo na conquista de direitos civis e políticos em algumas sociedades.



Por essa razão, ações educativas visando o uso crítico e responsável das novas tecnologias pressupõem uma atuação efetiva em diferentes eixos, como mobilização social, protagonismo juvenil, pesquisas e orientação ao púbico.



No eixo da prevenção e mobilização social, a SaferNet Brasil oferece treinamentos para autoridades, educadores e jovens, além de realizar campanhas educativas. O kit pedagógico contém cartilha sobre segurança na Internet, fichas com sugestões de exercícios, vídeos, histórias em quadrinhos, matérias de imprensa, glossários e tutoriais, tudo para capacitar os educadores e fortalecer a inclusão nas escolas. Esses Kits são distribuídos nas oficinas de formação realizadas em parceria com os Ministérios Públicos dos Estados, Polícia Federal, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Petrobrás e com as Secretarias Estaduais de Educação. Em 2009, foram realizadas 30 oficinas, envolvendo 271 escolas e a formação de 3.780 multiplicadores em oito Estados brasileiros.



A prestação de serviços de utilidade pública pela SaferNet Brasil tem como objetivo transformar a Internet em uma porta segura para a entrada de crianças, jovens e adultos com a finalidade de ampliar relações de amizade, obter novos conhecimentos que elevem a autoestima e lhes propiciem exercer a cidadania com segurança na rede planetária, que não é de computadores, mas sim de pessoas interconectadas por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação.



Nesse contexto, uma das poucas certezas é que a Internet é (e será) aquilo que fazemos (irmos) dela, seja como cidadãos, instituição ou sociedade.

Rodrigo Nejm


Psicólogo. Diretor de Atendimento e Prevenção da SaferNet Brasil e Pesquisador na área de Psicologia e Novas Mídias

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