terça-feira, 2 de março de 2010

PEDOFILIA • O MAL QUE ASSOLA O MUNDO

Lauro Monteiro


Médico Pediatra. Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e editor do site Observatório da Infância.
O avanço da pedofilia na sociedade é uma realidade incontestável e tornar-se-á admissível se ao longo dos anos confirmar-se o prognóstico dos próprios pedófilos, no sentido de que “assim como os homossexuais lutaram pelos seus direitos e acabaram sendo aceitos, assim também nós, pedófilos, estamos lutando e seremos aceitos”.1




Muito embora nada justifique essa prática execrável, remonta ao mundo greco-romano o uso de menores para a satisfação sexual de adultos. Como se vê, infelizmente, isto não é novidade. Pelo contrário, há mais de dois mil anos já era um costume tolerado pela sociedade.



Mas, poder-se-ia indagar se os pedófilos não estariam antevendo um declínio ou uma decadência social? Creio que não. O pedófilo é um doente e como tal deve ser tratado. Existem, contudo, indivíduos que vivem quase à margem da sociedade e, ignorando a lei que não permite atividade sexual com pessoas abaixo de dezoito anos, saem à cata de adolescentes de catorze, quinze anos, às vezes verdadeiras mulheres do ponto de vista físico, para a prática sexual.



No Brasil, o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes teve início ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso por conta de pressões internacionais, já que a questão envolve direitos humanos. O trabalho intensificou-se na última década e os bons resultados obtidos deixam claro que nosso país não serve de porto para abrigar a exploração sexual de crianças e adolescentes, ao contrário de alguns países da Ásia, em que é bastante intensa a utilização de menores com objetivos sexuais comerciais. Entre nós, o que mais preocupa é a violência sexual predominantemente dentro de casa, praticada por pais, padrastos, avôs, tios etc.. Nesse aspecto, ainda estamos muito atrasados.



Faça-se aqui um parênteses para explicitar que pedófilo é o indivíduo que gosta de criança e adolescente do ponto de vista sexual, preferencialmente até 13, 14 anos de idade, quando se tornam púberes. Com o advento da puberdade, o pedófilo perde o interesse nesses indivíduos. Tal característica evidencia tratar-se de um pervertido sexual, um doente. Por outro lado, o denominado “pedófilo ocasional” é aquela pessoa que, num determinado momento de sua vida, passa a ter atração por crianças e adolescentes, podendo chegar ao ato sexual. Com isto, quer-se dizer que pedófilo é também o indivíduo que sente um grande prazer em contemplar a criança ou adolescente, depois retorna à casa para se masturbar, sem que ninguém o saiba. Ou seja, este sujeito pode ter pensamentos pedofílicos, mas não concretizar o ato, salvo se surgir a oportunidade. O pedófilo não se distingue na sociedade pela aparência e, na maioria das vezes, goza da intimidade e da confiança da família da criança ou do adolescente. Daí a importância de que os pais estejam sempre alertas.



Todas as situações do cotidiano envolvendo crianças e adolescentes interessam ao pedófilo. Cite-se como exemplo o caso de um síndico de um prédio da Zona Sul do Rio de Janeiro, um indivíduo com mais de sessenta anos, já avô, em que todos os moradores confiavam a guarda de seus filhos durante o banho de piscina e que, mais tarde, se descobriu tratar-se de um abusador. Obviamente, isto é possível de ocorrer também com um diretor ou professor de creche ou escola fundamental, ou de natação, um religioso, o que, aliás, tem sido muito comum, dada a confiança depositada nele pela família e, sobretudo, pelo adolescente, e até mesmo por um pediatra.



Com relação aos padres acusados de pedofilia, é importante destacar que se trata de homosse­xuais que têm preferência por meninos pequenos ou adolescentes. Em síntese, pode-se definir o pedófilo como aquele indivíduo que gosta de crianças e adolescentes, entre zero e 14 anos, para realização sexual com ou sem contato físico. Na prática médica, tomei conhecimento do caso de uma criança de apenas três meses abusada sexualmente.



Infelizmente, registros apontam que tanto a violência física quanto a violência sexual e o maltrato psicológico são comuns em todas as camadas sociais e estratos econômicos, em qualquer país do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Esta situação é agravada por fatores como estresse, problemas psicológicos e psiquiátricos, não se podendo, a toda evidência, atribuir à miséria a causa principal dessas práticas.



Um outro aspecto a ser considerado é que o pedófilo por necessidade compulsiva e obsessiva, em geral, começa a prática da pedofilia com crianças com menos de cinco anos de idade. Uma vez o filho de um pedófilo disse-me que o pai era viciado em crianças. “Ele abusou da minha irmã e vai abusar de outras crianças. Quer dizer, não se trata de um dependente químico [maconha, cocaína ou qualquer outra droga], mas está doente, porque obsessiva e compulsivamente busca crianças”. Exemplo disso pode ser conferido no filme intitulado “Preciosa”, em que as relações incestuosas entre pai e filha começaram com abusos sexuais quando ela tinha somente três anos de idade.



Abusos sexuais contra crianças de dois, três, quatro meses não são frequentes. Lembro-me, contudo, de um caso em que não houve penetração, até porque anatomicamente talvez fosse impossível, a não ser com lesão gravíssima – e não havia –, mas a pessoa sentiu tanto prazer que ejaculou na vulva de uma menina de três meses de idade por fricção, o que é de se lamentar profundamente.



No tocante à prática da pedofilia por mulheres, é possível dizer, com base em informações prestadas por psiquiatras, que é comum elas manifestarem pensamentos pedofílicos, mas sem uma atuação efetiva, salvo a prática de beijar, manipular o pênis do próprio filho com ereção. Evidente que tal prática não está dentro da normalidade, além do desrespeito aí configurado.



Na verdade, a pedofilia é uma psicopatologia que atinge homens e mulheres, indistintamente, e, portanto, deve ser tratada de modo adequado. Nada obstante, é importante distinguir os pedófilos, que na realidade são doentes, daqueles indivíduos (homens e mulheres) que aos quarenta anos de idade acreditam ter o direito de se relacionar sexualmente com garota(o) de 13, 14 anos somente porque ela(e) é bem mais “apetitosa(o)” do que a mulher(marido). Neste ponto, é preciso alertar que a utilização de crianças e adolescentes em atividades que denotam sensualidade estimula o apetite sexual de alguns adultos e, por isso, deve ser combatida.



A mídia, em particular, tem um papel importante na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, mas cede, muitas vezes, na busca de audiência, apesar dos códigos de conduta e de ética a que os veículos de comunicação estão sujeitos, levando ao ar cenas que induzem à erotização precoce.



Observe-se que uma coisa é a sexualidade do adulto, que é genital. Outra é a sexualidade do bebê de um mês, dois meses, ou da menina ou do menino de dez, onze, doze anos, que já não é genital. Deve, por isso mesmo, a mídia ser fiscalizada por toda a sociedade, como, aliás, já vem ocorrendo. Muitas são as denúncias recebidas pelo “Observatório da Infância” acerca da veiculação de cenas protagonizadas por crianças e adolescentes que estimulam o sexualismo precoce.



Veja-se, ademais, que um grande número de pedófilos se utiliza da Internet para divulgar suas ideias, os seus “direitos” e, principalmente, o “código dos boy lover” – regras que estabelecem como um boy lover [pedófilo ativo que adora meninos] deve se comportar diante de crianças. Aliás, a rede mundial de computadores transformou-se no paraíso dos pedófilos, porque é a maneira mais democrática, mais barata e mais rápida de se comunicar, além de permitir mudanças constantes de site ou e-mail. Daí porque é difícil controlar a atividade dos pedófilos.



Já o telefone celular e outros meios de comunicação bastante utilizados pelos jovens propiciam aquilo que os especialistas denominam de bulliyng pela Internet ou cyberbullying, ou ainda sexting, isto é, a divulgação de fotos de atividade sexual praticada por algum integrante do grupo, em geral, após o término do relacionamento. É uma situação preocupante e que estimula também a pedofilia, porque nada melhor para um pedófilo do que imagens de crianças e adolescentes nus fazendo sexo oral.



Sobre a gravação de imagens, vem à lembrança o caso de um respeitado médico pediatra paulista, que hoje se encontra preso. Penso que as imagens gravadas de pacientes nus, atendidos em seu consultório, serviam para estimular a prática da masturbação e, por conseguinte, dar prazer. Este é um caso explícito de pedofilia, ao contrário dos adultos considerados normais que compram revistas eróticas somente para ter o prazer de ver homens relacionando-se com mulheres, mulheres com mulheres etc.



Esses e outros temas correlatos, como a violência física, psicológica e sexual praticada dentro de casa contra a criança e o adolescente têm sido objeto de preocupação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que congrega pediatras de todo o país, e também de organizações internacionais, como a Academia Americana de Pediatria.



De uns anos para cá, a SBP tem desenvolvido um intenso trabalho em favor dos direitos de crianças e adolescentes, inclusive o de viverem uma infância sem traumas, tanto na escola quanto em casa, o que, a meu ver, merece o reconhecimento de toda a sociedade brasileira.



Na esfera governamental, creio um equívoco considerar prioridade o combate à exploração sexual que, em geral, não envolve crianças, e sim adolescentes já púberes. No meu entender, o foco deveria ser a prevenção. Ou seja: há que se fortalecer a autoestima, a identidade das crianças no seio da família para evitar que saiam às ruas e se “entreguem” por um “dinheirinho” qualquer.



A tônica da Sociedade Brasileira de Pediatria é quanto à necessidade de se investir em prevenção, já que o abuso sexual ocorre predominantemente dentro da família ou com pessoas próximas, como professores, conselheiros, religiosos etc.



Registro aqui que a criação da organização não governamental ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência, da qual fui presidente por 18 anos, levou-me a participar, justamente na área da violência sexual e dos direitos humanos, da implantação do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, ainda nos anos 1990. O que se discute atualmente já é o terceiro que se busca implantar. Ocorre que o abuso sexual não deve ser discutido no âmbito do PNDH, e sim como vêm fazendo as Sena­doras Patrícia Saboya (PDT-CE) e Rita Camata (PSDB-ES) e tantos outros segmentos da sociedade.



Em verdade, o debate acerca da violência sexual tem se voltado para a punição do agressor e não à prevenção, além de os programas existentes valorizarem situações de miséria como a principal causa da violência sexual contra crianças e adolescentes, o que não condiz com a realidade.



É evidente que uma situação de promiscuidade intensa facilita o abuso sexual, assim como a falta de perspectiva de vida e a baixa autoestima de uma menina de 10 anos, por exemplo, que mora em uma favela, onde o traficante manda e ela tem que ceder. Mas isto não quer dizer que a pobreza seja a causa principal da violência sexual, ou mesmo a droga, e sim fatores, dentre outros, desencadeadores dessa prática criminosa.





CONCLUSÕES



 O abuso sexual deve ser discutido por toda a sociedade organizada.



 A prevenção dessa prática delituosa deve ter como foco a família e, principalmente, a escola, que assume uma importância maior diante de uma família abusadora, seja física ou sexualmente.



 Cabe à escola, prioritariamente, ensinar a criança a se defender do abuso sexual, inclusive daquele praticado pelos próprios pais.



 Ao Estado cumpre realizar investimentos nas escolas, nos âmbitos municipal, estadual e federal, além de oferecer treinamento aos professores acerca de temas envolvendo a sexualidade humana, de forma a torná-los aptos ao enfrentamento de eventuais casos concretos.



 Não há que se confundir abuso sexual com exploração sexual, que, por configurar-se comércio ilícito, envolve dinheiro, banditismo, repressão etc.



 Compete à sociedade esforçar-se para impedir que meninas de 10, 12 anos sejam utilizadas em posições sexualmente atraentes e, ao Estado, valer-se do poder coercitivo diante dessa realidade.

Revista Jurídica Consulex nº 315

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