terça-feira, 2 de março de 2010

NATUREZA HUMANA

Segundo a Teoria Tectônica das Placas, a litosfera não é uma camada terrestre contínua, mas fragmentada em grandes placas rígidas, que se encaixam como num quebra-cabeça, e flutuam trôpegas sobre uma massa de rocha derretida.




As principais placas tectônicas são: Africana, Antártica, Australiana, Euro-Asiática, Pacífico, Norte-Americana e Sul-Americana. Existem outras 50 placas menores, espalhadas por todos os continentes. Elas estão em contínuo movimento na superfície terrestre, interagindo entre si, ocasionando uma intensa atividade geológica, como afastamento, deslizamento ou colisão, que podem resultar em terremotos, tsunamis ou vulcões.



A fúria da natureza já devastou regiões inteiras, em vários pontos do planeta. Na última década, matou mais de 600 mil pessoas, ferindo e desabrigando milhões de outras, especialmente na Índia, Afeganistão, Irã, França, Itália, Espanha, Paquistão, China, Mianmar, Sudeste Asiático, África Oriental, EUA e, recentemente, no paupérrimo Haiti.



O Brasil não está situado entre limites de placas ativas, mas, sim, plantado em cima de uma grande placa, o que evita esses fenômenos. Entretanto, conforme Relatório do Departamento para a Redução de Desastres, da ONU, em 2009, nosso país foi o sexto no mundo a enfrentar o maior número de desastres naturais, como secas, inundações, ciclones e deslizamentos de terra. E 2010 não teve começo promissor. A maioria desses desastres naturais não pode ser evitada. Porém, dependendo das atividades e intervenções das pessoas e do governo, pode-se agravar ou minimizar os seus impactos.



Os principais agravantes são o desrespeito à natureza, através do desmatamento, assoreamento dos rios e acúmulo de lixo, e a permissividade dos governos quanto à ocupação desordenada do solo, ausência de planejamento e fiscalização. Têm-se, daí, um resultado ainda mais catastrófico. Se houvesse mais investimentos em medidas preventivas e educativas, esse resultado seria minimizado.



Os Estados mais atingidos pelas consequências desses fenômenos e pelo descaso do Poder Público em relação a políticas de prevenção foram Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e mais de 490 Municípios das Regiões Norte e Nordeste.



O Brasil gastou dez vezes mais com reparos causados por desastres naturais do que com prevenção. No ano passado, por exemplo, o Governo Federal gastou R$ 1,3 bilhão com o programa Resposta aos Desastres e Reconstrução, mas apenas R$ 138 milhões com o de Prevenção e Preparação.



Na última década ocorreram, no País, pelo menos 63 grandes intempéries, classificadas como estado de calamidade pública, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Elas mataram mais de 1.300 pessoas, deixaram quase 6 milhões de desalojados, desabrigados e feridos, causando prejuízos econômicos superiores a U$$ 10 bilhões. Entretanto, a hipocrisia humana causa danos muito maiores. Quando se esgotarem as possibilidades de superexposição na mídia, estrelismo em efêmeros momentos de fama e os superegos tiverem aplacado a sua vaidade na desgraça de pessoas indefesas, todas as perdas decorrentes dessas intempéries serão lançadas de volta à vala de corpos, sob olhares indiferentes dos telespectadores.



Vivemos numa era de banalização do sofrimento alheio e futilidades dos reality shows. Cenas grotescas do dia a dia já não afloram a nossa indignação. O cadáver abandonado na calçada, a criança jogada no esgoto, o idoso coberto de chagas, as famílias desabrigadas, o jovem soterrado, guerras, pobreza, epidemias, 800 milhões de pessoas passando fome e a corrupção se refestelando em banquetes são rapidamente esquecidos.



Os nossos sentimentos estão enrijecidos. E, como as placas tectônicas terrestres, se encaixam como num quebra-cabeça e flutuam bêbados sobre uma camada de emoções sem rumo. Eles estão em contínuo movimento, ocasionando uma intensa atividade emocional movida pelo ódio, indiferença e intolerância, resultando em atos incompreensíveis e inesperados, como tragédia, dor ou morte. O Homem está se transmutando no maior predador do próprio Homem.



Somente na última década, o brasileiro já matou cerca de 700 mil pessoas, sendo patrocinado pelo tráfico de drogas, violência no trânsito, polícia despreparada, políticos corruptos e magistrados transgressores. Uma catástrofe social que nos aproxima cada vez mais do Haiti.



Não sei para onde vamos. Mas, ao olhar para trás, revejo Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e Zilda Arns. E, ao olhar em volta, atentamente, vislumbro um resquício de luz, o paradoxo do ser humano atual. São milhares de pessoas anônimas, voluntárias e solidárias, envolvidas numa brilhante aura de amor fraterno e incondicional. E é aí que ainda reside a nossa tênue esperança de diferenciação com as bestas.

Martha E. Ferreira


Economista e Consultora de Negócios

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