segunda-feira, 22 de março de 2010

Educação a Distância e os direitos do autor

Jane Resina Fernandes de Oliveira




Programas de Educação a Distância estão em pleno crescimento no Brasil e no mundo, e vêm sendo adotados, de forma crescente, pelas instituições de ensino superior. Estas instituições vislumbram naqueles programas uma nova forma de educar, com métodos diferenciados, uso da Internet e do computador, baixo custo fixo, aumento de receita e da quantidade de alunos matriculados sem a utilização do espaço físico. Está nascendo uma nova forma de educar, de transmitir conhecimento, mas, para colocar os cursos em prática, há necessidade de elaboração de conteúdos específicos e didáticos para o oferecimento dos diversos programas a distância, o que vem ocasionando muitos problemas de ordem trabalhista e autoral, ante a ausência de legislação específica sobre o tema, uma vez que não há um consenso sobre a forma de contratação e pagamento daqueles que elaboram os conteúdos para serem utilizados no programa.

Quando o professor redige um conteúdo para ser utilizado no programa da Educação a Distância, esse conteúdo não está adequado para ser transmitido para os alunos. Será necessário que ele receba um tratamento por outros profissionais, tais como os webdesigners, técnicos em informática, em animação gráfica e som. O material transformado deixa de ser obra do professor apenas e passa a ter autoria coletiva de todos aqueles que contribuíram para a sua produção, sendo inclusive, inserido e fixado em suporte adequado para ser disponibilizado ao usuário, e, nesse momento, o conteúdo digitalizado passa a ser uma obra multimídia, que se caracteriza pela conjugação de arte (texto, as imagens e os sons digitalizados) e técnica (o software que faz o sistema funcionar).

Sempre devem ser respeitados os direitos morais e patrimoniais do autor. O primeiro, entendido como a garantia do autor de ter o seu nome ou pseudônimo nas obras que produziu; e o segundo, a garantia do recebimento de remuneração pela criação.

A Lei nº 9.610/98 revogou a Lei dos Direitos Autorais nº 5.988/73, suprimindo desta os arts. 36, 37 e 38, deixando, a nova legislação, de normatizar as obras realizadas em cumprimento do dever funcional ou diante da prestação de serviços, e as obras por encomenda. Deixando neste caso, a resolução de tais impasses aos contratos particulares, transferindo às partes envolvidas a definição dos direitos e deveres que envolvem tal contratação.

Nesse sentido, é importante esclarecer o que vem a ser obra coletiva, em coautoria e sob encomenda. A primeira é criada pela iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica que a publica em seu nome. A segunda se dá mediante a participação conjunta de mais de um autor para a realização de uma obra. A terceira se dá mediante a encomenda de uma pessoa física ou jurídica para que o autor (funcionário ou não do encomendante) realize uma obra, ou sozinho ou com a participação de outras pessoas.

É unânime entre os autores que uma pessoa física ou jurídica responsável pela organização de obra multimídia criada por diversos autores será detentora somente dos direitos patrimoniais da obra, pois o direito moral pertence aos autores e é inalienável.

Ainda não há no Brasil uma legislação e regras específicas sobre o tema, bem como, quanto aos direitos e deveres destes autores/conteudistas e de suas modalidades de criação, havendo necessidade de estudos mais aprofundados face ao franco crescimento da Educação a Distância no Brasil. Acredita-se, no entanto, que a única determinação legal que poderia ser considerada viável é o estabelecimento, por meio de legislação própria, das garantias das obras realizadas sob encomenda, definindo-se a propriedade, a forma de pagamento, obrigatoriedade de atualização da obra em determinado prazo pelo autor e fixação de prazo para a publicação da obra pela instituição. Seria justificável da mesma forma, a definição de maneira clara e precisa na legislação das formas de amparo para as obras multimídias, com a caracterização expressa do conteúdo elaborado para ser ministrado a distância.

A legislação sobre a matéria, no entanto, é clara ao deixar aos contratos a definição dos ajustes mútuos, e considero tal atribuição justa e apropriada nos casos que envolvem tecnologia e direitos autorais, pelo fato de sua evolução constante e diversidade de formas e maneiras de desenvolvimento e apresentação do produto ao usuário, devendo assim, as partes, em conjunto solucionar as deficiências detectadas, uma vez que é importante para todos os envolvidos no programa da EAD (Educação a Distância) o seu sucesso e crescimento, e não há crescimento sem o respeito à dignidade e aos direitos conquistados pelos cidadãos, pela luta diária através dos tempos para a busca de leis justas que garantam a vida em sociedade.



JANE RESINA FERNANDES DE OLIVEIRA é Advogada, Sócia e Fundadora do escritório Resina & Marcon Advogados Associados, Mestre pela UnB – Universidade de Brasília, MBA em Gestão Empresarial/FGV-RJ, Especializada em Direito Empresarial pela UCDB/MS e Palestrante, com livros e artigos publicados nas áreas de Direito Societário e Eletrônico.

Novas leis facilitaram abertura de processo de abuso sexual contra crianças e adolescentes

Lisiane Wandscheer


Repórter Agência Brasil



As mudanças no Código de Processo Penal, ocorridas nos dois últimos anos, facilitaram a abertura de processos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Para a Promotora de Justiça Edna da Mata, da 12ª Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescente do Ceará, o grande avanço é que um processo judicial por abuso pode ser instaurado sem a representação da vítima ou de um parente.



“Hoje, até por uma denúncia anônima, o Ministério Público pode abrir uma ação. Antes, dependia de um parente da vítima dar a queixa, mas isto nem sempre acontecia. As famílias vivem um conflito, a tendência é culpar a vítima de violência sexual”.



A promotora destaca mais dois pontos importantes na recente revisão do Código Penal. O primeiro é a chamada “produção antecipada de provas”. Esse dispositivo legal, de um lado, evita a revitimização do menor que sofreu violência sexual e, de outro, minimiza prejuízos decorrentes da demora no julgamento da causa.



O outro ponto é que as penas foram agravadas. “Hoje para estupro de vulnerável (menor de 14 anos) a pena pode chegar a até 30 anos. Um crime de estupro pode pegar uma pena até maior que de um homicídio”, disse.



Edna da Matta salienta ainda a possibilidade de novos aperfeiçoamentos na legislação brasileira. Segundo ela esta maior rigidez na lei, apesar de ser uma medida importante, pode gerar contradições na sua aplicação.



“Qualquer ato sexual ou libidinoso contra um menor de 14 anos é estupro de vulnerável. Se um menino de 13 anos estiver beijando uma moça de 18 e houver queixa na polícia ela terá praticado estupro, da mesma forma que um homem que violentou uma criança de oito anos”.



Fonte: Agência Brasil

Projeto obriga telefonia móvel a fornecer internet sem fio grátis

O Projeto de Lei nº 6.835/10, em análise na Câmara, obriga as empresas de telefonia celular a oferecer acesso gratuito à internet sem fio. Segundo a proposta, do Deputado Fábio Faria (PMN-RN), o equipamento que permite o acesso deverá ser instalado em todas as estações rádio-base (ERBs), como são chamadas as antenas de celular.




O projeto diz que o sinal da internet deverá ter a mesma capacidade de conexões simultâneas que o sinal de ligações telefônicas emitido pela ERB. E que, além de gratuito, o serviço será ofertado em tempo integral. "A universalização do acesso a internet banda larga amplia o desenvolvimento econômico e social e gera empregos", diz Faria.



Concessão pública

O parlamentar defende que serviço de internet sem fio seja uma contrapartida às operadoras de telefonia celular na obtenção ou renovação da concessão pública.



Faria argumenta que, além de possuir grande penetração no País, o sistema de telefonia móvel registra o maior faturamento no setor de telecomunicações. "E apresenta também a incômoda posição de campeã de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor", completa.



O projeto define o prazo de 180 dias após a publicação da lei para a adequação das ERBs em áreas urbanas. Nas áreas rurais, o prazo será de 18 meses. "A telefonia deverá se preparar para atender essa necessidade e tornar a internet acessível a todos, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade", afirma o autor.



Tramitação

O projeto será analisado de forma conclusiva pelas Comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e de Constituição, Justiça e Cidadania.



Fonte: Agência Câmara

Consumidor poderá ter quatro opções de bancos para pagar fatura

A Câmara analisa o Projeto de Lei nº 6.840/10, do Deputado Capitão Assumção (PSB-ES), que obriga os prestadores de serviço e fornecedores a oferecer pelo menos quatro opções de bancos para os clientes pagarem suas faturas. A proposta altera o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).




"Muitos consumidores de cidades pequenas atrasam o pagamento de suas faturas por não poderem se deslocar até outro município mais próximo onde exista alguma agência do banco que faz a cobrança", argumenta o deputado.



Segundo ele, a proposta vai atender aos interesses dos consumidores e dos prestadores de serviço, já que diminuiria sensivelmente os atrasos nos pagamentos de dívidas.



Tramitação

O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas Comissões de Defesa do Consumidor; e de Constituição, Justiça e Cidadania.



Fonte: Agência Câmara

Locação de carros: empresa não pode cobrar preço de balcão quando já firmado o contrato

Qual é o valor do aluguel a ser pago para o prazo excedente da locação de automóveis: o fixado no contrato inicial celebrado entre as partes ou o novo preço estipulado pelo locador? A tese foi analisada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um recurso especial da Mega Rent Car Ltda. contra a empresa Bayer S/A. A locadora pretendia cobrar uma nova tarifa (preço de balcão) da locatária, que informou expressamente à locadora que não tinha mais interesse na renovação do acordo de aluguel da frota, porém permaneceu com a posse de alguns veículos, por vários meses, pagando a quantia fixada originalmente.




A disputa judicial entre as duas companhias envolve uma ação de cobrança da Mega contra a Bayer, e tem como ponto de partida a celebração de três contratos de locação por prazo determinado da locadora, com o objetivo de alugar 132 automóveis, mediante o pagamento de preço fixo mensal reajustado pelo IGPM. Poucos meses antes do vencimento contratual, a Bayer notificou a Mega de que não teria intenção de renovar as locações, uma vez que pretendia adquirir frota própria de veículos. Todavia, ao fim do contrato, não devolveu imediatamente todos os carros alugados, permanecendo com alguns deles por quase um ano.



Diante desse fato, a Mega argumenta que a não devolução imediata dos automóveis ao fim do prazo contratual teria gerado a responsabilidade, por parte da Bayer, de pagar a locação dos veículos pelo preço da diária em balcão, bem superior ao valor fixado no contrato corporativo. De acordo com a defesa da locadora, o fundamento legal para sustentar o pedido é o que consta do art. 1.196 do Código Civil de 1916. A Bayer, por sua vez, alega que os veículos permaneceram em sua posse com o consentimento do locador, e que a regra a ser aplicada seria a do art. 1.195 do mesmo código, que trata da prorrogação dos contratos anteriores, nos mesmos moldes, por prazo indeterminado.



A sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido da Mega, salientando que a empresa não se opôs formalmente à permanência dos carros com a Bayer, mesmo tendo sido notificada de que não havia interesse da locatária em renovar o contrato. Desse modo, a locação teria se prorrogado automaticamente por prazo indeterminado nas mesmas condições em que foi celebrada originalmente.



A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também negou provimento ao recurso da Mega: “Não tendo a locatária, por um lado, cumprido o propósito de devolver os bens locados no prazo estabelecido, e, por outro, não tendo a locadora exigido a restituição, o contrato continuou prorrogado por tempo indeterminado e nas mesmas bases vigentes”.



Divergências na interpretação do Código Civil

Inconformada, a locadora apelou ao STJ, e a relatora do processo, Ministra Nancy Andrighi, analisou a causa sob os seguintes aspectos: se a retenção de parte dos veículos pela Bayer, apesar de ter notificado a Mega sobre a rescisão contratual, implicaria juros diários ou prorrogação do contrato por prazo indeterminado; e se a emissão das faturas mensais pela Mega, no valor estabelecido em contrato, implicaria eventual acordo quanto à prorrogação contratual nas bases originais, ou se seria apenas uma tentativa da locadora de minimizar os prejuízos enquanto não recebia a diferença de valor pretendida.



Para a ministra, um dos principais pontos de controvérsia do processo está na interpretação do art. 1.196 do Código Civil, que diz: “Se, notificado, o locatário não restituir a coisa, pagará, enquanto tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar e responderá pelo dano que ela venha sofrer, embora proveniente de caso fortuito”. Na visão da Bayer, essa norma só seria aplicável a partir do momento em que a Mega, ciente de que a empresa permaneceria com alguns veículos em uso ao fim do contrato, tivesse feito uma notificação para que a empresa devolvesse os carros. Já a Mega sustenta que a notificação anterior da Bayer, informando que não renovaria o contrato, bastaria para caracterizar a mora, sendo dispensável um segundo comunicado com a mesma finalidade.



Andrighi ressaltou que não confere ao locador o poder de pós-fixar o aluguel que pretende receber pela posse excedente sobre o seu bem. “É regra geral dos contratos que o preço será estipulado pelas partes ou por estimativa de um terceiro. Nunca, porém, ao arbítrio exclusivo de um dos contratantes. Assim, a notificação do locador, tratada no art. 1.196, deve preencher também o requisito de informar ao locatário das possíveis sanções que lhe serão aplicadas, dando-lhe, deste modo, a opção da imediata devolução do bem locado”.



De acordo com a ministra, é fundamental que as partes mantenham a boa-fé no cumprimento dos contratos, bem como após o fim da relação contratual. Após a suposta rescisão do contrato de locação de veículos, a Bayer continuou utilizando os carros por cerca de um ano sem qualquer objeção formal da Mega. Durante todo esse tempo, a locadora continuou cobrando valores equivalentes aos fixados no contrato inicial, sem informar sua intenção de elevar o preço do aluguel para o de balcão. “A falta de informação quanto à cobrança de tarifa maior criou, para o locatário, a expectativa de utilização dos automóveis pela tarifa fixada no contrato rescindido, e essa expectativa merece proteção jurídica”, explicou Andrighi.



A ministra conheceu do recurso especial proposto pela Mega apenas a fim de reduzir o valor dos honorários advocatícios para R$ 100 mil. “Ainda que sopesadas todas as circunstâncias, a fixação em mais de R$ 300 mil promovida pelo TJSP é exagerada. Entendo que, mediante apreciação equitativa do processo, o valor de R$ 100 mil remunera suficientemente o trabalho dos advogados que atuaram na defesa dos interesses da Bayer S/A. De resto, fica integralmente mantida a decisão recorrida”. Os demais ministros da Terceira Turma acompanharam o voto da relatora.



Fonte: STJ

STF já tem 16 mandados de segurança contra decisão que desclassificou candidatos a juiz de Minas

O Supremo Tribunal Federal recebeu o décimo sexto Mandado de Segurança (MS) contra a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que desclassificou do concurso para juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) quem obteve notas 75 e 76 na prova objetiva. A exclusão se deu após esses candidatos terem feito a fase seguinte, de provas escritas. O MS nº 28.681 é o décimo quinto impetrado por candidatos desclassificados. O outro foi impetrado pelo próprio TJMG e outros.




Os impetrantes, em síntese, alegam que a nota de corte havia sido mantida em 75 mesmo depois de declarada a nulidade de três questões, razão pela qual foram convocados para a próxima fase – de provas escritas – das quais obtiveram resultado. Contudo, dois meses depois da segunda fase, a banca publicou a desclassificação dos nomes das pessoas que tiveram notas 75 e 76 ainda na primeira prova. Segundo eles, a banca os desclassificou em obediência a uma determinação do CNJ num processo do qual os candidatos não teriam tido conhecimento, nem direito a contraditório e ampla defesa.



Todos os mandados de segurança sobre o tema foram direcionados ao gabinete da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Ela deferiu as liminares para que os candidatos afetados pela decisão do CNJ que passaram na segunda fase fizessem a inscrição definitiva até o dia 15 de março (ela é pré-requisito para a permanência no certame).



Análise

Em 22 de fevereiro, ao analisar o MS 28603, impetrado pelo estado de Minas Gerais, o TJMG e a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes contra a decisão do CNJ, Cármen Lúcia entendeu que o Conselho poderia determinar a desclassificação dos candidatos porque o edital não teria feito referência à utilização de nota de corte como critério para a convocação dos aprovados à etapa seguinte do certame.



Ela esclareceu que “a nota de corte, em verdade, é resultado da verificação da nota obtida pelo quingentésimo (500º) candidato na lista de classificação”.



A ministra lembrou que o edital do concurso dispõe que a classificação dos candidatos será feita somente após a análise dos pedidos de revisão e recursos interpostos contra gabaritos/questões da prova objetiva de múltipla escolha e que, “anulada alguma questão da prova objetiva de múltipla escolha, será ela contada como acerto para todos os candidatos”.



Além disso, segundo a ministra relatora, na decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) de ampliar o número de classificados (acima dos 500 previstos no edital) para a etapa seguinte, após a prova de múltipla escolha, desrespeitou o princípio da impessoalidade que deve nortear os atos públicos (art. 37 da Constituição Federal – CF).



Isto porque, conforme assinalou o CNJ na decisão impugnada pelos autores do MS, “o TJMG conhecia nominalmente os candidatos que obtiveram aproveitamento entre 75 e 77 pontos, quando decidiu pela convocação acima dos limites previstos no edital”.



Fonte: STF

quinta-feira, 18 de março de 2010

O DESPERTAR DA CHINA PARA A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Maria Isabel Montañés




Os chineses, que sempre foram avessos à proteção da propriedade intelectual, estão começando a se preocupar com a questão por seus próprios produtos estarem sendo pirateados, como exemplo o caso de pirataria de conteúdos de um site chinês Youku.com, onde seu concorrente, Sohu.com, publicou cópias não autorizadas de um vídeo produzido pelo Youku.com. Com situações como essa, a China está cada vez mais reconhecendo a importância do combate à pirataria em seu país, antes que sejam tragados pelos seus próprios atos.

Há muito tempo que o mundo pede que os seus direitos imateriais sejam respeitados na China, que por sua vez sempre teve atitude contrária, desrespeitando o direito autoral e dando continuidade à pirataria. Tanto é verdade que a Organização das Nações Unidas – ONU chegou a ameaçar a China de retaliações aos seus produtos caso continuasse a permitir que seus cidadãos pirateassem produtos registrados em outros paises.

O que muitas pessoas não sabem é que, ao mesmo tempo que pirateavam desenfreadamente, a China é o oitavo país no mundo que mais protege seus produtos por meio de patentes, somente perdendo para Alemanha, França, Suíça, Itália, e até para a Coreia. Estes últimos também tão resistentes quando se trata dos direitos imateriais alheios, não pouparam esforços em ver seus inventos protegidos. Vemos um disparate nas atitudes, onde todos seguem a política de: “não respeito o seu direito, contudo, quero que respeite o meu”.

Já falamos algumas vezes da importância para a economia de um país a proteção da propriedade intelectual. É por meio dos bens imateriais que pode-se alavancar um país. A própria história nos ensina, com a Revolução Industrial, que o mundo somente saiu do período das trevas quando direcionou seus esforços aos inventos e criações, e consequentemente a necessidade de proteção desses direitos, onde o autor passou a obter lucros por meio de seus inventos e criações.

O Brasil também já foi penalizado pelo descaso aos direitos da propriedade intelectual, e hoje, é referência no combate à pirataria. Os brasileiros têm a falsa impressão que o governo nada faz, ledo engano, faz e muito. Contudo, o problema da pirataria no Brasil não está na lei, ou na repressão e sim no próprio cidadão que não respeita e valoriza a lei vigente. Uma comparação clara a respeito é que na Europa, principalmente, quando um ato é contra a lei, ele simplesmente não é praticado, pelos cidadãos respeitarem a lei, o próximo e a si mesmo. No Brasil, acontece exatamente o contrário, se um ato é contra a lei, ao invés de não fazê-lo, o cidadão estuda formas para descaracterizar o crime, e buscam meios fraudulentos para se eximir da culpa, e não do ato em si.

Mesmo com diversos obstáculos pelo caminho, as autoridades brasileiras buscam formas de dizimar a pirataria no País, como um cão do Ministério da Justiça, que em seu sitio www.mj.gov.br, tem um link para que o cidadão comum, sem perigo de ser identificado, possa denunciar quem pratica a pirataria de qualquer tipo de produto, serviço e outros. Trata-se de um serviço valioso, onde o Ministério Público conta com o auxílio dos cidadãos brasileiros para que a pirataria seja erradicada em nosso país.

Não é um trabalho fácil, contudo, não impossível. Vamos valorizar e, principalmente, seguir a lei, para defender o que é nosso, respeitando os direitos alheios e esperar que o governo chinês finalmente acorde, a tempo de reverter a situação, para resguardar seus direitos e defender os direitos daqueles que querem investir em seu país, levando uma vida mais próspera e digna a todos os seus cidadãos.



Maria Isabel Montañés é Advogada, Agente da Propriedade Industrial e Intelectual e Diretora da Cone Sul Empresarial.

Comissão discute o fim do exame da OAB

A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) vai aprofundar os debates sobre a extinção do exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Projeto de Lei do Senado (PLS nº 186/06), de autoria do Senador Gilvam Borges (PMDB-AP), estabelece que o ingresso no exercício da profissão de advogado deixa deestar condicionado à aprovação nesse exame. O Senador Roberto Cavalcanti (PRB-PB) é o autor do requerimento propondo a realização do debate sobre esse projeto, que tramita na CE.




Deverão ser convidados para audiência pública sobre o assunto o Presidente da OAB, Ophir Cavalcante, e o Coordenador nacional do exame da Ordem, Walter de Agra Júnior. A data ainda será marcada.



Na justificativa do projeto, Gilvam Borges - que se encontra licenciado - argumenta que o exame é injusto, uma vez que uma grande quantidade de pessoas fica fora do mercado de trabalho, pois os índices de reprovação chegam a 70% do total de candidatos.



O exame da Ordem foi instituído em 1994. O objetivo é selecionar, pela aferição de conhecimentos jurídicos básicos, os bacharéis aptos ao exercício da advocacia.



Cultura

Na mesma reunião foi aprovado requerimento do Senador José Nery (PSol-PA), subscrito também por outros senadores, solicitando audiência pública para discutir as propostas aprovadas pela II Conferência Nacional de Cultura, realizada recentemente em Brasília.



Fonte: Agência Senado

CCJ aprova maior rigor contra lavagem de dinheiro

Texto aprovado aumenta penas e redefine atividades que podem configurar a prática do crime.




A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou, na terça-feira (16.03), medidas para aumentar a eficiência da legislação de combate à lavagem de dinheiro. A principal alteração é o fim da exigência de comprovação do chamado crime antecedente para configuração da lavagem de dinheiro, ou seja, a lavagem de dinheiro passa a ser processada como crime autônomo.



Assim, se determinada pessoa sequestrou alguém, por exemplo, e depois tentou "esquentar" o dinheiro que recebeu como resgate, não será necessário comprovar o sequestro como condição para condená-lo por lavagem de dinheiro.



O texto aprovado é o substitutivo da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado ao Projeto de Lei nº 3.443/08, do Senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). A matéria agora será analisada pelo Plenário.



Emendas

O relator na CCJ, Deputado Colbert Matins (PMDB-BA), apresentou cinco emendas ao texto da comissão de Segurança Pública. Uma delas amplia a pena para quem dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens obtidos irregularmente. O texto aprovado pela comissão de segurança prevê reclusão de 3 a 10 anos e multa, conforme prevê a legislação atual (Lei nº 9.613/98). A CCJ optou por ampliar esse prazo para 3 a 18 anos de reclusão e multa.



Outra emenda altera o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40) para elevar a penalidade de quem ajudar criminoso a tornar seguro bem obtido ilegalmente. A pena aprovada pela CCJ prevê reclusão de 1 a 4 anos e multa, enquanto o código atual estabelece detenção de 1 a 6 meses e multa.



Enquadramento na lei

A CCJ acatou ainda emenda que retira a expressão “ainda que eventualmente” para definir as atividades desenvolvidas por pessoas físicas e jurídicas passíveis de enquadramento na lei sobre lavagem de dinheiro. Com isso, estarão submetidos à lei todos que atuarem em operações de:

- compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;

- gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;

- abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;

- criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e

- alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.



Essa mudança, segundo Colbert Martins, foi proposta por associações de auditores e contadores, “que viam dificuldades em atender o disposto na futura lei”.



Controle

O texto aprovado na CCJ ainda determina que o Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coaf), do Ministério da Fazenda, apresente à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional avaliação das ações de controle das movimentações financeiras sob investigação e os resultados do combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores e da efetiva recuperação de ativos. O conselho terá 90 dias após o encerramento de cada semestre para prestar as informações.



Fonte: Agência Câmara

terça-feira, 16 de março de 2010

PONTOS DE TANGÊNCIA DAS VIAS DE RESPONSABILIDADE POR DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

O descumprimento de uma obrigação ou dever jurídico pode dar ensejo à responsabilidade civil, penal ou administrativa, conforme a natureza jurídica da sanção prevista no ordenamento jurídico para cada caso. Isto ocorre devido à finalidade distinta de cada espécie de responsabilidade, cuja aplicação independe da outra.




A despeito do caráter autônomo das vias de responsabilidade, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência e até o próprio direito objetivo reconhecem a existência de áreas de interseção. Uma delas consiste em que uma mesma conduta é passível de violar ao mesmo tempo normas de direito penal e de direito privado, o que dará ensejo à responsabilidade civil e penal, cumulativamente, como ocorre nos casos de crimes contra o patrimônio.



No direito positivo, merece destaque a Lei de Crimes Ambientais (no 9.605/98), que, denotando preocupação com a reparação do dano ambiental, criou novos pontos de interseção entre as vias de responsabilidade, priorizando, no entanto, a aplicação de penas restritivas de direito em vez de penas privativas de liberdade, sempre que presentes as condições previstas em seu art. 7o.



Com efeito, a Constituição Federal de 1988 previu a hipótese de transação no caso de infração penal de menor potencial ofensivo (art. 98, I), no âmbito dos juizados especiais. Seguiu-se a edição da Lei no 9.099/95, que regulamentou o dispositivo constitucional, autorizando o Ministério Público a deixar de propor ação penal pública caso o infrator, voluntariamente, aceite a proposta de transação penal, devidamente homologada pelo juiz, seja na forma de prestação de serviços à comunidade ou de doação de cestas básicas a entidades carentes. Verifica-se, nestes casos, que o princípio da discricionariedade regrada veio substituir ao da obrigatoriedade da ação penal pública. (SAMPAIO, 1998.)



Observe-se que a transação penal e a composição civil de danos (Lei nº 9.099/95, arts. 72 e 74) não se confundem. O instituto de natureza civil deve anteceder a transação penal entre vítima e acusado, importando, inclusive, em renúncia ao direito de queixa ou representação. Ademais, “ao contrário da transação, que nenhum efeito produz na esfera civil, a composição de danos, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, tem eficácia de título a ser executado no juízo cível competente”. (SAMPAIO, 1998, p. 25.)



Francisco José Marques Sampaio afirma que “a Lei nº 9.099/95, em matéria de direitos indisponíveis, inovou apenas ao possibilitar que o Ministério Público deixe de propor ação penal, atendidas determinadas condições, excepcionando, em tais casos, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. (...) a composição do dano ambiental, de que trata o art. 27 da Lei no 9.605/98, portanto, somente pode ser validamente firmada entre o suposto infrator e o Ministério Público, caso não importe em qualquer concessão em favor do suspeito que prejudique a integral reparação do dano, porque não se pode dispor de direitos difusos sem expressa previsão legal que o permita. Ademais, acordo que contivesse redução de medidas compensatórias ou de indenização devida para reparação de danos ambientais violaria o art. 255 da Constituição Federal. A norma constitucional prevê a obrigação de reparar ‘os danos’, isto é, todos os danos” (1998, p. 25).



Ainda segundo o autor, é importante examinar se, por força do § 6o introduzido no art. 5o da Lei no 7.347/85, direitos difusos e coletivos teriam se tornado disponíveis pelo art. 113 do Código de Defesa do Consumidor. Diz ele: “O mencionado § 6o permite que os órgãos públicos legitimados para propositura de ação civil pública tomem dos interessados ‘compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais’, mediante cominações, o qual terá eficácia de título executivo judicial. Poderia haver ‘compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais’ que contivesse concessões em prejuízo da integral reparação de danos ambientais?” (SAMPAIO, 1998, p. 25-26.)



Igualmente importante é analisar se o art. 27 da Lei no 9.605/98 teria criado hipótese de disponibilidade de direitos difusos relativamente ao meio ambiente, na busca da composição de que tratam os arts. 72 e 74 da Lei no 9.099/95. Entende SAMPAIO (1998, p. 26) que, “apesar de tal interpretação se colocar aparentemente em oposição à noção de integral reparação de danos, expressa no aludido art. 225, § 3o, da Constituição Federal, argumentar-se-ia que encontra esteio no inciso I do art. 98 da própria Carta, que prevê a criação, por lei, de hipóteses de transação em processos que tramitam perante juizados especiais.



E prossegue o autor: “Outra forma de compatibilizar o art. 27 da Lei no 9.605/98 e o trâmite de processos perante o Juizado Especial Criminal com a integral reparação de danos ambientais seria buscar a composição de que tratam os arts. 72 e 74 da Lei no 9.099/95, não em relação a danos ambientais propriamente ditos, mas apenas para danos individuais que daqueles decorram. Desse modo, a composição poderia se dar normalmente entre vítima e autor do dano, superando-se as dificuldades em obter anuência do acusado para a integral reparação do dano cuja dimensão, no momento da audiência preliminar, não fora sequer estimada e cuja avaliação, necessariamente, dependeria de perícia (...), situação incompatível com os princípios basilares dos juizados especiais”. (SAMPAIO, 1998, p. 26-27.)



Neste sentido, as ações que demandarem avaliação de expert e que não estejam previstas na competência do Juizado Especial não podem ali ser processadas e julgadas.



No tocante à responsabilidade por infração administrativa, a Lei nº 9.605/98 (arts. 70 a 76) alterou critérios estabelecidos na Lei no 6.938/81, levando em apreço as áreas de interseção entre as diferentes formas de responsabilidade. Verifica-se, então, que também na via administrativa podem ser aplicadas sanções restritivas de direitos, além de advertência, multa, embargo de obra ou atividade, entre outras.



Cremos, no entanto, que os diversos pontos de contato entre as vias de responsabilidade por degradação ambiental merecem ser analisados com prudência, equilíbrio, ponderação e razoa­bilidade na resposta repressiva, mas também educativa, à reparação do dano, a fim de se evitar novos atos lesivos ao meio ambiente.

Primariedade e bons antecedentes não afastam caráter hediondo do tráfico de drogas

Condenada a seis anos de prisão - em regime inicialmente fechado - por tráfico e associação para o tráfico de drogas em Santa Catarina, Charlene Torresani teve pedido de liminar em Habeas Corpus (HC nº 102.881) negado pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua defesa tenta, com o habeas corpus, alterar o regime inicial de cumprimento da pena para semiaberto.




Para o advogado de Charlene, o fato de ter sido reconhecido, na sentença condenatória, a primariedade e os bons antecedentes como causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da nova Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/06), inviabiliza o reconhecimento do caráter hediondo do crime de tráfico. Assim, não seria aplicável ao caso o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) – dispositivos que prevêem, respectivamente, o cumprimento da pena em regime inicialmente fechado e a possibilidade de progressão da pena somente após o cumprimento de parte da pena – 2/5 se réu primário e 3/5 se reincidente.



Em sua decisão, o Ministro Joaquim Barbosa lembrou que a cabeça do art. 2º da Lei nº 8.072/90 equipara o crime de tráfico de drogas aos crimes hediondos, sem qualquer ressalva aos casos em que se reconheça a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. “Logo, ao menos à primeira vista, o reconhecimento dessa causa de diminuição de pena (primariedade e bons antecedentes), por si só, não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”, disse o ministro.



Ao negar o pedido de liminar, o ministro explicou, ainda, que a fixação do regime prisional depende não só do montante da pena aplicada, como também da análise das circunstâncias judiciais, “as quais, além de não terem sido questionadas pelo impetrante, não podem ser reexaminadas na via estreita do habeas corpus”.



Fonte: STF

terça-feira, 2 de março de 2010

NATUREZA HUMANA

Segundo a Teoria Tectônica das Placas, a litosfera não é uma camada terrestre contínua, mas fragmentada em grandes placas rígidas, que se encaixam como num quebra-cabeça, e flutuam trôpegas sobre uma massa de rocha derretida.




As principais placas tectônicas são: Africana, Antártica, Australiana, Euro-Asiática, Pacífico, Norte-Americana e Sul-Americana. Existem outras 50 placas menores, espalhadas por todos os continentes. Elas estão em contínuo movimento na superfície terrestre, interagindo entre si, ocasionando uma intensa atividade geológica, como afastamento, deslizamento ou colisão, que podem resultar em terremotos, tsunamis ou vulcões.



A fúria da natureza já devastou regiões inteiras, em vários pontos do planeta. Na última década, matou mais de 600 mil pessoas, ferindo e desabrigando milhões de outras, especialmente na Índia, Afeganistão, Irã, França, Itália, Espanha, Paquistão, China, Mianmar, Sudeste Asiático, África Oriental, EUA e, recentemente, no paupérrimo Haiti.



O Brasil não está situado entre limites de placas ativas, mas, sim, plantado em cima de uma grande placa, o que evita esses fenômenos. Entretanto, conforme Relatório do Departamento para a Redução de Desastres, da ONU, em 2009, nosso país foi o sexto no mundo a enfrentar o maior número de desastres naturais, como secas, inundações, ciclones e deslizamentos de terra. E 2010 não teve começo promissor. A maioria desses desastres naturais não pode ser evitada. Porém, dependendo das atividades e intervenções das pessoas e do governo, pode-se agravar ou minimizar os seus impactos.



Os principais agravantes são o desrespeito à natureza, através do desmatamento, assoreamento dos rios e acúmulo de lixo, e a permissividade dos governos quanto à ocupação desordenada do solo, ausência de planejamento e fiscalização. Têm-se, daí, um resultado ainda mais catastrófico. Se houvesse mais investimentos em medidas preventivas e educativas, esse resultado seria minimizado.



Os Estados mais atingidos pelas consequências desses fenômenos e pelo descaso do Poder Público em relação a políticas de prevenção foram Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e mais de 490 Municípios das Regiões Norte e Nordeste.



O Brasil gastou dez vezes mais com reparos causados por desastres naturais do que com prevenção. No ano passado, por exemplo, o Governo Federal gastou R$ 1,3 bilhão com o programa Resposta aos Desastres e Reconstrução, mas apenas R$ 138 milhões com o de Prevenção e Preparação.



Na última década ocorreram, no País, pelo menos 63 grandes intempéries, classificadas como estado de calamidade pública, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Elas mataram mais de 1.300 pessoas, deixaram quase 6 milhões de desalojados, desabrigados e feridos, causando prejuízos econômicos superiores a U$$ 10 bilhões. Entretanto, a hipocrisia humana causa danos muito maiores. Quando se esgotarem as possibilidades de superexposição na mídia, estrelismo em efêmeros momentos de fama e os superegos tiverem aplacado a sua vaidade na desgraça de pessoas indefesas, todas as perdas decorrentes dessas intempéries serão lançadas de volta à vala de corpos, sob olhares indiferentes dos telespectadores.



Vivemos numa era de banalização do sofrimento alheio e futilidades dos reality shows. Cenas grotescas do dia a dia já não afloram a nossa indignação. O cadáver abandonado na calçada, a criança jogada no esgoto, o idoso coberto de chagas, as famílias desabrigadas, o jovem soterrado, guerras, pobreza, epidemias, 800 milhões de pessoas passando fome e a corrupção se refestelando em banquetes são rapidamente esquecidos.



Os nossos sentimentos estão enrijecidos. E, como as placas tectônicas terrestres, se encaixam como num quebra-cabeça e flutuam bêbados sobre uma camada de emoções sem rumo. Eles estão em contínuo movimento, ocasionando uma intensa atividade emocional movida pelo ódio, indiferença e intolerância, resultando em atos incompreensíveis e inesperados, como tragédia, dor ou morte. O Homem está se transmutando no maior predador do próprio Homem.



Somente na última década, o brasileiro já matou cerca de 700 mil pessoas, sendo patrocinado pelo tráfico de drogas, violência no trânsito, polícia despreparada, políticos corruptos e magistrados transgressores. Uma catástrofe social que nos aproxima cada vez mais do Haiti.



Não sei para onde vamos. Mas, ao olhar para trás, revejo Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e Zilda Arns. E, ao olhar em volta, atentamente, vislumbro um resquício de luz, o paradoxo do ser humano atual. São milhares de pessoas anônimas, voluntárias e solidárias, envolvidas numa brilhante aura de amor fraterno e incondicional. E é aí que ainda reside a nossa tênue esperança de diferenciação com as bestas.

Martha E. Ferreira


Economista e Consultora de Negócios

PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À CIDADANIA NO CIBERESPAÇO

A intensa incorporação das Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) no cotidiano de crianças e adolescentes traz muitos desafios à proteção dos seus direitos e à formação para a cidadania, o que ocorre no âmbito familiar e também nos espaços públicos de socialização.




Com efeito, diante das constantes mudanças que se verificam na sociedade e das diferenças na familiaridade com que gerações de pais/educadores e filhos/alunos manipulam as novas tecnologias, torna-se preciso atualizar permanentemente as medidas de proteção aos direitos das crianças e adolescentes nos diversificados espaços públicos frequentados por elas. Um dos primeiros desafios é fazer com que entendam o ciberespaço como um espaço público no qual pessoas, e não meros computadores, relacio­nam-se socialmente.



Ao usar a Internet, por exemplo, a criança e/ou adolescente acessa um espaço público planetário, imensurável, em que transita todo tipo de informação e de pessoas, e assim como em todo espaço público amplo e movimentado, no ciberespaço também há crimes, golpes e violações aos direitos humanos, em diferentes graus. A discussão que propomos a seguir está baseada nas ações da SaferNet Brasil – associação civil sem fins lucrativos que atua na promoção e defesa dos direitos humanos na Internet, incluindo o combate à pornografia infantil.



Visando oferecer uma resposta eficiente aos graves problemas relacionados com o uso dos serviços da Internet



para a prática de ilícitos, particularmente aliciamento (corrupção de menores) e produção e difusão em larga escala de imagens de abuso sexual envolvendo crianças e adolescentes (pedofilia e pornografia infantil), e outras formas de violações aos direitos humanos, como racismo, neonazismo, intolerância religiosa, homofobia, além de apologia e incitação à prática de crimes contra a vida, o que tem afetado principalmente jovens internautas brasileiros, a Safernet Brasil criou a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, que se constitui um sistema automatizado de gestão de denúncias, baseado em Software Livre, operado em parceria com o Ministério Público Federal desde 2006 e com a Polícia Federal e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República a partir de 2008.



O uso da Internet pelos pedófilos compreende, entre outras práticas criminosas: (i) troca e difusão de material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes; (ii) venda de viagens para relacionar-se com jovens; (iii) produção de imagens de cunho pornográfico e sexual de crianças; (iv) difusão de anúncios e mensagens visando aliciar crianças e adolescentes; (v) incitação ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.



A situação, porém, é agravada pela grande demanda por material pornográfico infantil, que incentiva a produção e o comércio ilícito. Por outro lado, é comum os detentores das imagens pornográficas, em geral obtidas de forma não consentida, utilizarem-nas para pressionar, intimidar ou subornar as crianças e adolescentes explorados, já que é impossível ao leigo distinguir o virtual do real.



Neste sentido, merece destaque o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (www.denunciar.org.br) no combate à pornografia infantil e às diferentes formas de violações aos direitos humanos. As denúncias feitas através do sistema automatizado são processadas e enviadas às autoridades compentes, para a adoção das providências que se fizerem necessárias. As infrações mais comuns são pornografia infantil ou pedofilia (ECA, art. 241), racismo, neonazismo, intolerância religiosa (Lei nº 7.716/89, art. 20, § 1º), incitação à prática de crimes contra a vida (CP, arts. 286 e 287), homofobia (CF, art. 3º, XLI e 5º, XLI) e maus-tratos aos animais (Lei nº 9.605/98, art. 32).



Inicialmente projetada para receber e processar 1.200 denúncias por mês, a Central Nacional de Crimes Cibernéticos atingiu a impressionante marca de 998.633 casos já no fim do segundo ano de trabalho. Hoje, recebe cerca de 2.500 denúncias por dia. Somente no primeiro semestre de 2009 foram 44.106 (páginas únicas), das quais 63% (22.761) envolvendo a veiculação de pornografia infantil e pedofilia no Orkut (URLs únicas).



Em 2008, os relatórios de denúncias de pornografia infantil e pedofilia entregues pela SaferNet Brasil à CPI da Pedofilia resultaram na quebra do sigilo de 21.591 páginas do Orkut, o que permitiu à Polícia Federal iniciar as investigações visando identificar e punir os criminosos que atuam na rede sob o manto da impunidade.



Nada obstante, tem-se como certo que, com a democratização do acesso à Internet, haverá um aumento do público produtor e consumidor de pornografia infantil na rede e ao mesmo tempo do número de crianças e adolescentes vulneráveis ao aliciamento sexual ou mesmo à exploração sexual comercial, o que exigirá ainda mais atenção dos setores envolvidos no combate a essas práticas criminosas.



A intensa navegação de crianças e adolescentes brasileiros na Internet pode ser ilustrada com dados da pesquisa realizada, em 2008, pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br): 59% da população na faixa etária de 10 a 15 anos já tiveram acesso à rede; destes, 49% usam-na com mais frequência nos centros públicos pagos (lan houses, cibercafés), espaços geralmente pouco preparados para educar e proteger o público infanto-juvenil dos perigos on-line. Já a pesquisa sobre hábitos de segurança on-line, realizada pela SaferNet com 875 crianças e adolescentes, aponta para a vulnerabilidade deste público na Internet: 53% dos entrevistados relataram o contato com conteúdos agressivos que consideravam impróprios para sua idade; 28% afirmaram já ter se encontrado pessoalmente com pessoa conhecida on-line sem que os pais soubessem; e 10% ter sofrido algum tipo de chantagem na rede.



A Internet é um campo aberto às relações sociais e à busca do conhecimento, mas também envolve riscos. Urge, portanto, o incremento das medidas de prevenção e a criação de métodos de avaliação dos trabalhos de orientação no tocante aos cibercrimes. Noções do uso ético e seguro das novas tecnologias precisam ser incluídas na agenda de atividades das escolas. Aliás, deve a educação complementar as ações de combate à pratica de crimes cibernéticos, para que todos possam usufruir, ao máximo, os recursos disponíveis no ciberespaço.



É preciso aceitar o desafio de desnaturalizar a noção de que a Internet é um espaço sem lei, no qual se pode fazer qualquer coisa com a certeza da impunidade. Esta noção beneficia, em especial, aqueles que se utilizam de crianças e adolescentes para a prática de crimes na rede.



O momento atual se caracteriza por profundas mudanças psicossociais na infância, adolescência e juventude, proporcionadas, dentre outros fatores, pelo uso intenso das diversificadas formas de tecnologia para o lazer, o estudo e a comunicação, o que também exerce forte influência no universo pessoal dos adultos, nas áreas do consumo e do trabalho, e até mesmo na conquista de direitos civis e políticos em algumas sociedades.



Por essa razão, ações educativas visando o uso crítico e responsável das novas tecnologias pressupõem uma atuação efetiva em diferentes eixos, como mobilização social, protagonismo juvenil, pesquisas e orientação ao púbico.



No eixo da prevenção e mobilização social, a SaferNet Brasil oferece treinamentos para autoridades, educadores e jovens, além de realizar campanhas educativas. O kit pedagógico contém cartilha sobre segurança na Internet, fichas com sugestões de exercícios, vídeos, histórias em quadrinhos, matérias de imprensa, glossários e tutoriais, tudo para capacitar os educadores e fortalecer a inclusão nas escolas. Esses Kits são distribuídos nas oficinas de formação realizadas em parceria com os Ministérios Públicos dos Estados, Polícia Federal, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Petrobrás e com as Secretarias Estaduais de Educação. Em 2009, foram realizadas 30 oficinas, envolvendo 271 escolas e a formação de 3.780 multiplicadores em oito Estados brasileiros.



A prestação de serviços de utilidade pública pela SaferNet Brasil tem como objetivo transformar a Internet em uma porta segura para a entrada de crianças, jovens e adultos com a finalidade de ampliar relações de amizade, obter novos conhecimentos que elevem a autoestima e lhes propiciem exercer a cidadania com segurança na rede planetária, que não é de computadores, mas sim de pessoas interconectadas por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação.



Nesse contexto, uma das poucas certezas é que a Internet é (e será) aquilo que fazemos (irmos) dela, seja como cidadãos, instituição ou sociedade.

Rodrigo Nejm


Psicólogo. Diretor de Atendimento e Prevenção da SaferNet Brasil e Pesquisador na área de Psicologia e Novas Mídias

O NOVO ESTUPRO NA ÓTICA CONSTITUCIONAL

Fruto da iniciativa da Comissão Parlamentar Mista da Exploração Sexual, a Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, foi promulgada com a promessa de aperfeiçoar o enfrentamento dos crimes sexuais.




Não é isso que tem ocorrido na prática.



Vários julgados têm interpretado a norma de forma mais benéfica a estupradores e pedófilos, criando um quadro pior do que o anterior. Quanto mais repugnante o ato criminoso, maior será o benefício. Incrível?



Vejamos.



Juristas pregam que se forem praticados vários atos criminosos no mesmo contexto, o estuprador deve responder por apenas um crime. Assim, a prática forçada à conjunção carnal terá uma pena provável de 6 (seis) anos de prisão. Se, além da conjunção carnal, houver sexo anal, a pena será a mesma. Se a essa prática for acrescido o sexo oral (introdução do pênis na boca da vítima), qual a pena? Também 6 (seis) anos. E se após tudo isso o criminoso repetir todos os atos? Adivinhem!



Com o novo entendimento, estupradores contumazes, condenados a 12, 20, 50 ou mais anos de prisão, estão conseguindo a revisão de suas penas para 6 (seis) anos ou próximo a isso. Vários já ganharam a liberdade. Outros estão na fila dos tribunais.



E não para por aí.



A nova Lei exige autorização das vítimas para a investigação e o processo. Se elas não tiverem forças para isso (por trauma, conivência da família ou do meio social em que estão inseridas) ou temerem retaliações, qual o resultado? Impunidade.



E mais: tem-se exigido autorização das vítimas mesmo quando da prática do estupro resulte lesão “leve” (quebra de nariz ou mandíbula), lesão grave (aborto, perda de membro etc.) ou a própria morte. É a primeira vez que a punição de um assassinato dependerá de autorização da vítima! Só não esclarecem como a morta irá se pronunciar (reviram o conselho de Paulo Maluf, para piorá-lo: “Se estuprar, mate!”).





PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE



Interpretar a nova Lei de forma omissa viola a Constituição e os tratados internacionais que regem a matéria, pois desprotegem os direitos fundamentais de todos à segurança e à dignidade sexual. Havendo aparente conflito entre estes e a liberdade dos condenados, resolve-se pelo princípio da proporcionalidade.



Desenvolvido para evitar os excessos do poder absoluto e sintetizado na máxima “Não se abatem pardais disparando canhões” (Jellinek), referido princípio tem sido repensado para resguardar a pessoa não apenas da ação (excessiva) estatal, mas também de sua omissão.



Assim, a proporcionalidade ganhou outra vertente, consistente na proibição de proteção deficiente (Üntermassverbot), oriunda da doutrina e jurisprudência alemãs.



O Supremo Tribunal Federal já prestigiou esse princípio, exatamente para garantir a dignidade sexual (RE nº 418.376-MS, j. 09.02.06). Discutia-se se o estuprador que se amasiasse com a vítima (engravidada por ele) poderia ser absolvido, na forma do art. 107, VII, CP.



Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, o STF refutou a impunidade em nome da proibição de proteção insuficiente, pois “De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico (...)”.



A discussão no plenário da Corte Maior foi agitada e demarcou o grau da repulsa jurídico-social ao estupro. A Ministra Ellen Gracie comparou a situação da vítima a uma escravidão sexual e o Ministro Ayres Brito, questionado se a prisão privaria a vítima de seu marido, irritou-se: “Livrar a adolescente da convivência com o agressor será um grande bem”.



Sob esse enfoque, encaremos doravante as polêmicas da nova Lei. Advirta-se que, havendo tensão ou conflito de direitos fundamentais (dos réus ou das vítimas), deve-se buscar a proteção mais adequada possível a um dos direitos em risco, e da maneira menos gravosa ao outro, sem permitir o sacrifício integral de um deles (OLIVEIRA, 2008:320,323).





CONCURSO DE CRIMES



O novo art. 213 é um tipo penal misto de conteúdo cumulativo, ou seja, prevê várias condutas não fungíveis entre si, que geram a obrigação de punição individual de cada ato criminoso, conforme doutrina mais autorizada (BARBAGALO; SILVA JÚNIOR). Interpretação contrária ofende a Constituição.



Com efeito, o acusado tem direito constitucional a um julgamento justo, que implica uma pena proporcional a seus atos (não excessiva). Por sua vez, a vítima tem direito à liberdade sexual (já violado pelo estuprador, sem que o Estado pudesse ter impedido). Consumado o crime, a vítima tem também direito a um julgamento justo, com a fixação de uma pena que puna todos os atos criminosos contra ela praticados. Por fim, a coletividade tem direito a uma punição correta, para que o exemplo punitivo não incentive outros a cometer os mesmos atos. Aliás, esta é a maior função do direito penal: evitar a continuidade do crime e garantir o direito constitucional à segurança de todos os cidadãos/ãs.



Nesse trilhar, é patente que cada ato sexual importante direcionado ao corpo humano ofende bens jurídicos variados. A introdução do pênis ou outro objeto em qualquer orifício corporal demonstra o grau de perversidade do criminoso e gera danos e dores diferentes e humilhantes às vítimas. Beneficiar os condenados com a impunidade, aplicando apenas uma pena, servirá de incentivo à criminalidade sexual, pois será mais vantajoso “usar e abusar” das vítimas de todas as formas possíveis. O único limite dos tarados será sua própria criatividade!



Portanto, a tese da pena única viola a proibição de proteção insuficiente, pois destrói ou mitiga o direito constitucional à dignidade (art. 1º, III), à liberdade (inclusive sexual, art. 5º, caput), à segurança (art. 5º, caput, e art. 144) e à incolumidade física e psíquica (art. 144).



Nessa esteira, o próprio direito constitucional dos condenados à igualdade (art. 5º, caput) e à individualização da pena (art. 5º, XLVI) restaria violado com a pena única. Ora, aquele que cometer apenas um ato criminoso (sexo oral, por exemplo) teria a mesma pena daquele que praticar outras violações importantes (sexo oral + anal, sexo vaginal + anal etc.). A pena do menos “culpável” seria excessiva, pelo menos em comparação com a do outro. A fixação de pena-base diferenciada (art. 59, CP), pregada por alguns, não resolveria o problema, pois o pequeno aumento decorrente não seria compatível com a natureza do ato violento praticado e seus danos à dignidade sexual.



Por outro lado, a pena justa (punição para cada ato importante) não gera qualquer excesso punitivo contra a liberdade dos condenados. Estes não têm o direito de cometer vários crimes e ser punidos apenas por um. Afinal, emendando Jellinek, não se protegem pardais alimentando gaviões!





AÇÃO PENAL



• A discriminação do feminino



A nova Lei, em substituição à ação penal privada, instituiu como regra a ação penal pública condicionada à representação (art. 225, caput, CP). A ação será pública incondicionada apenas se a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável (art. 225, parágrafo único, CP).



No ponto, seguiu-se o caminho do legislador de 1940: deixar a investigação ou processo a critério da vítima. Dizia-se que a “boa intenção” da norma era garantir a intimidade das vítimas, evitando escândalos.



Esse entendimento era coerente com o sistema então implantado. A violência sexual era considerada ofensa aos costumes, e não à pessoa ou à sua dignidade. A Lei visava preservar a tradição, os costumes sexuais, independente do grau de violência e dos danos sofridos pelas vítimas.



Na sociedade de então, ao marido era permitido estuprar suas esposas, em nome do debito conjugal. Se fosse estuprada por terceiro, a mulher sequer podia oferecer queixa sem a autorização marital, por ser considerada INCAPAZ, conforme art. 35 do Código de Processo Penal (só revogado em 1997!). Portanto, a ação penal não visava proteger a intimidade das vítimas, mas a de seus familiares, principalmente maridos e pais.



Nesse contexto, a norma penal incentivava o estuprador a se casar com a vítima, livrando-a da solteirice. Isso porque a “desonrada”, que oficialmente tinha perdido a virgindade com o estupro, não conseguiria arrumar um casamento. Essa norma, só revogada em 2005, complementava o conselho de Paulo Maluf (estupra, mas não mata!), revigorando-o: estupra, mas casa!



Por isso, o estupro foi o único crime cometido com violência ou grave ameaça que não exigia punição obrigatória, nos termos do Código Penal de 1940, pois sua repressão não era considerada de interesse público (LIMA, 2009:83).





• A reação do STF em nome da proteção eficiente



Inconformado com o sistema omisso da norma de 1940, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 608, forjada para estabelecer investigação e processo obrigatórios quando o estupro for praticado com violência real. Interpretou-se que o crime é de ação pública incondicionada, em razão da regra dos crimes complexos (art. 101, CP).



Com a edição da Lei nº 9.099/95, deu-se uma guinada (constitucional) nesse entendimento.



É que o art. 88 daquela Lei passou a exigir representação para o crime de lesão corporal leve. Portanto, o crime de estupro praticado mediante violência física deveria seguir o destino de seus crimes constituintes. Pelas regras do crime complexo, a ação penal voltaria a depender de autorização das vítimas (representação ou queixa). Destruiu-se a Súmula nº 608... Será?



Chamado a dirimir a questão, o Supremo Tribunal Federal não se conformou com esse entendimento. Ao julgar o HC nº 82.206, manteve integralmente a Súmula nº 608, ficando claro que não é a complexidade do crime de estupro que gera a obrigatoriedade de punição, mas a própria gravidade do fato, a repugnância social e sua hediondez. Para garantir a dignidade sexual, o STF optou por interpretação francamente constitucional. Na prática, revogou tanto o Código Penal (na parte em que previa ação privada) quanto o art. 88 da Lei nº 9.099/95. Foram ambos considerados, implicitamente, inconstitucionais para garantir a proteção suficiente.



Acatando esta orientação, o Superior Tribunal de Justiça passou a considerar a ação penal incondicionada no estupro, inclusive quando proveniente de grave ameaça, sem resultar lesões físicas (HC nº 27.383-PE e REsp nº 479.679-PR).





• A inconstitucionalidade do novo art. 225



Assim, o novo art. 225, caput, é flagrantemente inconstitucional, pois protege insuficientemente as vítimas, afastando-se da jurisprudência constitucional já consagrada no País.



Ora, o crime referido é hediondo, mesmo em sua forma simples, como previu a nova Lei (art. 1º, V, Lei nº 8.072/90), reforçando sua reprovabilidade social. Não se concebe que crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, e equiparados pela Constituição à tortura e ao terrorismo (art. 5º, XLIII), dependam de autorização das vítimas para punição.



Não se protege a intimidade das vítimas deixando o agressor impune. Elas já foram violadas, abusadas, sua intimidade destruída durante os atos aberrantes! O Estado não garantiu sua privacidade e dignidade. Devolver o problema para elas é diminuir a repugnância social a esses crimes e superproteger os estupradores.



O novo art. 225, caput, protege a intimidade, sim, mas apenas a do estuprador! É inconstitucional por proteger insuficientemente os direitos fundamentais do ser humano.





• Estupro qualificado pela lesão grave ou morte



Para impedir a proteção insuficiente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) busca no STF a inconstitucionalidade parcial do art. 225 (ADI nº 4.301). Pede-se que o crime de estupro do qual resulte lesão grave ou morte se submeta à ação penal pública incondicionada.



É recomendável que a PGR adite o pedido para se declarar inconstitucional todo o caput do art. 225, independentemente da gravidade do resultado, nos termos da Súmula nº 608.



Com aditamento ou não, espera-se que o STF, seguindo sua tradição humanística, declare mais uma vez que o estupro, em qualquer de suas formas (com violência ou grave ameaça), é de ação penal pública incondicionada, conforme já sacramentado naquela Corte Constitucional.





CONCLUSÃO



Ante o exposto, conclui-se que:



 O novo crime de estupro não alterou a solução jurídica anterior nas hipóteses de pluralidade de ações sexuais violentas contra a vítima no mesmo contexto fático. Entendimento contrário é inconstitucional, por ofensa ao princípio da proporcionalidade (proibição de proteção insuficiente).



 A ação penal do novo crime de estupro é pública incondicionada, independentemente da idade ou vulnerabilidade das vítimas, nos termos da Sumula nº 608 do STF e da jurisprudência posterior, que acolheu, implicitamente, o princípio da proibição de proteção insuficiente. Dessa forma, o art. 225, caput, do CPP é completamente inconstitucional.

Fausto Rodrigues de Lima


Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT).

O CONSUMIDOR E OS CARTÕES DE LOJAS

As carteiras ficaram pequenas para tantos cartões. Além do cartão do seguro do carro, do plano de saúde, do cartão de crédito, muitos consumidores estão aderindo aos cartões insistentemente oferecidos pelos lojistas. Promessas de vantagens não faltam, porém, há que se ter cuidado.




É preciso, antes de mais nada, distinguir o cartão de descontos do cartão de crédito, visto que alguns fornecedores estabelecem parcerias com administradoras para a oferta de cartão de crédito com o nome da empresa. Isto acontece, por exemplo, com postos de gasolina, companhias aéreas etc.. A diferença prática entre um e outro é que no cartão de crédito é cobrada anuidade, já os cartões de descontos costumam ser gratuitos.



Há quem pense que os cartões de descontos trazem somente vantagens, mas não é bem assim. Sem dúvida que existem vantagens. Já vimos casos de drogarias que concedem 50% de desconto para o consumidor que possui o cartão oferecido pelo estabelecimento.



O que poucos consumidores sabem é que, quando se solicita um cartão de descontos, dá-se autorização para a abertura de cadastro. Isto porque é necessário autorizar expressamente o armazenamento dos dados e sua utilização pelo estabelecimento. Infelizmente, a fiscalização desses bancos de dados é praticamente inexistente no Brasil, devido às dificuldades quase que insuperáveis, a propiciar toda sorte de abusos.



A relação dos produtos adquiridos pelos consumidores ingressa no sistema, traçando perfis de consumo. A partir daí, é possível negociar essas informações preciosas entre as empresas, que farão marketing diretamente com consumidores que têm o perfil dos seus produtos.



Não é por acaso que, após solicitar o cartão de descontos de um determinado fornecedor, o consumidor passa a receber inúmeras cartas e ofertas de produtos de outros fornecedores. Afinal, os cartões de descontos servem justamente para alimentar bancos de dados que são negociados a preço de ouro entre as empresas.



Ao solicitar o cartão de descontos, o consumidor deve estar ciente de que está abrindo mão da sua privacidade, visto que será possível conhecer tudo aquilo que adquire com o uso reiterado do cartão, até mesmo o que consome durante o mês.



A utilização do cartão de descontos aumenta a cada dia, estimulada pela concorrência entre as empresas. E, ainda que não obtenha qualquer vantagem na aquisição do produto, o consumidor acaba optando por comprar no estabelecimento do qual já possui o cartão.



É, no entanto, discutível a concessão de descontos para clientes cadastrados, considerando-se que o serviço de informação é falho e a fiscalização insuficiente.

Arthur Rollo


Advogado especialista em Direito do Consumidor.

ASSÉDIO MORAL: A MULHER COMO VÍTIMA

Assediar é cercar, importunar, perseguir etc. Já no ambiente de trabalho, atitudes do empregador ou preposto consistentes em inferiorizar, desqualificar, ou seja, humilhar de forma reiterada com palavras, gestos e amea­ças o empregado, desestabilizando-o emocionalmente, configuram-se assédio moral.




Com o tratamento dispensado por quem mantém autoridade em assimetria profissional, o empregado passa a se sentir ignorado, envergonhado, magoado, menosprezado, o que pode levá-lo inclusive a pedir demissão. Aliás, na maior parte das vezes, este é o objetivo do perverso assediador, que deseja ver o empregado desacreditado e com perda da autoestima. É de se observar que um único ato desabonador não se caracteriza assédio moral. Deve, contudo, ser vivamente combatido, para evitar que se instale de forma definitiva.



Nos termos do art. 2º da Lei paulista nº 12.250/06, configura-se assédio moral atos: “I – determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos inexequíveis; II – designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos; III – apropriando-se do crédito de ideias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem. Parágrafo único. Considera-se também assédio moral ações, gestos e palavras que impliquem em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros; na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis à sua vida funcional; na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços, que atinjam a dignidade do servidor; na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional”.



Essas e outras condutas antiéticas desestabilizam o empregado e, por conseguinte, a relação deste com o ambiente de trabalho, em claro prejuízo a todos os envolvidos.





ASSÉDIO MORAL DECORRENTE DO ASSÉDIO SEXUAL



O assédio sexual tipificado no art. 216-A do Código Penal, por força da Lei nº 10.224/01, integra o capítulo “Dos Crimes contra a Liberdade Sexual” e assim dispõe: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Também a dignidade das relações trabalhista-funcionais é protegida por este dispositivo. (Bitencourt, 2008.)



Ainda hoje é comum a oferta de uma remuneração salarial maior à mulher em troca de favores sexuais, sendo a recusa por parte desta mal aceita pelo homem, em geral o empregador, que então passa a assediá-la moralmente, em razão do assédio sexual malsucedido.





ALCANCE DO ASSÉDIO MORAL



O assédio moral pode ocorrer tanto na linha vertical, quanto na horizontal. Por exemplo: pessoa hierarquicamente superior à vítima [gerente da empresa ou o próprio empregador x empregada(o)] ou que exerce a mesma função. Mas não é somente nas relações de trabalho que isto se verifica. Na lição de HIRIGOYEN (2003), “a assiduidade do assédio moral nas associações, principalmente filantrópicas, bem demonstra que o fato não está ligado apenas a critérios econômicos, rendimentos ou concorrência no mercado, mas à ambição de poder. Esses espaços, em que os técnicos da comunicação e da filantropia deveriam trabalhar em harmonia, estão naufragados em episódios não falados, em dores veladas e, por vezes, em cinismo”.



O assédio moral pode ocorrer também no meio familiar. Neste caso, o que caracteriza o assédio moral é a personalidade dominante do assediador. Cite-se a mulher que, submetida a perseguições e humilhações no trabalho, ao chegar em casa desconta toda a sua ira, impaciência e repulsa naqueles que mais ama, em especial os filhos. A propósito, afirma HIRIGOYEN: “Não se morre por causa das agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, humilhado, deprimido. E é difícil de recuperar-se”. ( 2003, p. 66.)



Uma das formas de assédio moral praticado contra a mulher é desdenhar de sua capacidade para realizar determinado trabalho. Neste sentido, “onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional”. (SILVA, 2007, p. 214.)



Com efeito, no âmbito laboral, a realização do trabalho deve se dar em condições de igualdade entre o homem e a mulher, sob pena de violação ao Texto Constitucional (CF, art. 5º, I). E mais: conforme decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região “(...) demonstrado, nos autos, que a Reclamada tinha conduta discriminatória, humilhante e constrangedora em relação à Reclamante, através de seu preposto, configurou-se o assédio moral, sendo devida a indenização respectiva, nos termos dos arts. 186 e 927 do CCB”. (RO-4ª T., Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault, v.u. 24.06.09.)



É manifesto que os efeitos psicológicos no assediado dependem da forma como este lida com a situação. Mas, na mulher, o assédio moral sofrido no ambiente de trabalho repercute diretamente no seu cotidiano, em especial, na vida familiar, causando sérios prejuízos.





CASUÍSTICA



A banalização do assédio moral deve ser evitada a todo custo, não se configurando tal instituto meras broncas no empregado desatento. Vale, contudo, mencionar o caso de uma bancária que foi dispensada dois dias depois de comunicar sua gravidez ao empregador e sofreu aborto espontâneo. Na reclamação trabalhista proposta perante o Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, alegou que o chefe sempre lhe fazia propostas com conotação sexual e a ameaçava quando recusava. (...) O Reclamado (banco) se opôs à acusação de assédio sexual, por falta de provas, sustentando que a funcionária não apresentou registro do fato na polícia, nem certidão de decisão judicial condenando o gerente pela prática de tais atos. Nada obstante, o juízo de primeira instância entendeu configurado o assédio sexual e condenou o Reclamado ao pagamento de indenização no valor de R$ 50 mil. Esse valor foi aumentado para R$ 70 mil pela Corte Regional, que reconheceu o abalo emocional decorrente de constrangimentos e humilhações sofridas no ambiente de trabalho, sendo tal decisão confirmada pela Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (AIRR nº 251/2005.103.08.40-5).



Um outro caso de dano moral que merece destaque é o de uma bancária que durante um ano e meio exerceu suas funções confinada no porão da empresa – local sujo, mal iluminado, isolado e impróprio para o cumprimento do contrato de trabalho –, submetendo-a a gerência, ainda, a apelidos jocosos (“ratazana”, “gata borralheira”, “cinderela”), ofensivos à sua dignidade, personalidade e imagem perante os colegas, afetando-a no plano moral e emocional, pelas características da discriminação e reiteração no tempo. Em grau de recurso, decidiu o Relator, Desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros, “fixar indenização reparatória em importe mais expressivo que aquele fixado na origem: a uma, em face da capacidade do ofensor, um dos maiores bancos privados do País; a duas, pelo caráter discriminatório, prolongado e reiterado da ofensa; a três, pela necessidade de conferir feição pedagógica e suasória à pena, mormente ante o descaso do ofensor, que insiste em catalogar a prática como ‘corriqueira’”. (TRT-2ª Região – RO-4ª T., v.u. 30.05.06.)



O uso de trocadilhos com a intenção de denegrir a imagem da empregada é outro exemplo a ensejar o pagamento de indenização por dano moral, cujo desideratum é ao mesmo tempo compensatório e pedagógico. (TRT-3ª Região – RO-4ª T., Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault, v.u.11.02.09.)



À guisa de exemplo, no tocante à elevação de metas de vendas para salvar-se da demissão, transcreve-se excerto do seguinte julgado: “A sujeição dos trabalhadores, e especialmente das empregadas, ao continuado rebaixamento de limites morais, com adoção de interlocução desabrida e sugestão de condutas permissivas em face dos clientes, no afã de elevar as metas de vendas, representa a figura típica intolerável do assédio moral, a merecer o mais veemente repúdio desta Justiça especializada. Impor, seja de forma explícita ou velada, como conduta profissional na negociação de consórcios, que a empregada ‘saia’ com os clientes ou lhes ‘venda o corpo’ e ainda se submeta à lubricidade dos comentários e investidas de superior hierárquico, ultrapassa todos os limites plausíveis em face da moralidade média, mesmo nestas permissivas plagas abaixo da linha do Equador. Nenhum objetivo comercial justifica práticas dessa natureza, que vilipendiam a dignidade humana e a personalidade da mulher trabalhadora. (...) O empregado é sujeito e não objeto da relação de trabalho e, assim, não lhe podem ser impostas condutas que violem a sua integridade física, intelectual ou moral. Devida a indenização por danos morais [art. 159 do CC de 1916 e arts. 186 e 927 do NCC]. (TRT-2ª Região – RO-4ª T., Rel. Des. Ricardo Artur Costa e Trigueiros, v.u. 10.05.05.)



Carinhos e carícias não permitidos também configuram assédio moral. Veja-se a ementa a seguir:



DANO MORAL. Configura-se situação de assédio moral o constrangimento de subordinada a carinhos não solicitados e indesejados, no ambiente de trabalho, associado a cobranças públicas de regularização de situação financeira particular e dissociada da empresa.



VALOR. Conforme parâmetros postos pelo e. STJ, o valor da indenização por danos morais deve atender não apenas a reparação, mas também o critério pedagógico e o critério punitivo. Majoração para R$ 50.000,00.



(TRT-4ª Região, 6ª T., Beatriz Zoratto Sanvicente, Juíza-Relatora no exercício da presidência, j. 21.05.03.)





Diante dos julgados trazidos à colação, fica claro o sofrimento da vítima de assédio moral.





DAS PROVAS



Na falta de legislação federal tipificando o assédio moral, os magistrados têm baseado suas decisões em provas testemunhais, fotos, e-mails, cartas, bilhetes, fax, gravações etc. Neste sentido: “É admissível, no processo do trabalho, como meio de prova válida, a gravação de conversa, quando realizada por um dos interlocutores, consoante entendimento dominante na jurisprudência. Na espécie, o alegado assédio praticado pela Reclamada, quando do retorno da autora ao trabalho após licença-maternidade, somente poderia ser provado pelas gravações juntadas aos autos. Logicamente, o registro das referidas conversas não poderia ser feito com autorização prévia dos demais interlocutores, pois seria superficial, já que os envolvidos não falariam o que realmente estão a pensar ou, então, ensaiariam um diálogo, seja para se proteger ou defender a empresa, configurando-se a parcialidade. Sendo assim, mostra-se razoável a gravação efetivada pela Reclamante, como a forma mais viável de demonstrar suas alegações; ao revés, estaria impedida de comprovar suas pretensões, o que caracterizaria flagrante cerceio ao direito de produção de provas”. (TRT-3ª Região – RO-6ª T., Rel. Des. Jorge Berg de Mendonça, v.u., 25.05.09.)



Extrai-se de julgado do Tribunal de Justiça paulista que “Não representa gravação clandestina, de modo a qualificar-se como prova obtida por meio ilícito, a gravação de conversa entre os próprios interlocutores, ainda que a pessoa que se encontra do outro lado da linha não tenha conhecimento de que a conversa estaria sendo gravada”. (8ª CC, Rel. Des. Fonseca Tavares, j. 03.02.93, RJTJESP 143-199).



Relativamente à dispensa da prova objetiva do prejuízo para a caracterização do dano moral, ver julgado do TRT-2ª Região (RO-11ª T., Rel. Des. Carlos Franciso Berardo, v.u. 13.11.06), fundado na firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.





LEGISLAÇÃO



O assédio moral ainda pende de tipificação por lei federal, mas já é previsto na legislação de vários Estados da Federação, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, e também na de dezenas de Municípios, a exemplo de São Paulo, Guarulhos, Campinas, Bauru, Jaboticabal, Natal, Cascavel, Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, entre outros.



Importa destacar que o art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece as hipóteses em que o empregado poderá considerar rescindido o contrato de trabalho e pleitear a devida indenização, e, por isso mesmo, deve ser utilizado como parâmetro pelo legislador, assim como a Lei nº 9.029/95 (art. 4º, I e II), que proíbe a adoção de práticas discriminatórias e limitativas para o acesso ou manutenção da relação de emprego. Afinal, a honra e a dignidade das pessoas são bens que receberam a proteção da Constituição Federal de 1988 (arts. 1º, 3º e 5º), devendo ser reparada qualquer transgressão.



Anote-se que o PL nº 4.742/01, em trâmite na Câmara Federal, tipifica o assédio moral no trabalho em novo dispositivo (art. 146-A) a ser acrescentado no Capítulo VI do Código Penal, que trata dos crimes contra a liberdade individual, porém, o Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o então Deputado Aldir Cabral, defende em seu parecer que tal definição seja ajustada no rol de crimes inerentes à periclitação da vida e da saúde (art. 136-A).



Independentemente do posicionamento a ser adotado, urge a elaboração de lei que estabeleça os parâmetros para a configuração do assédio moral, a fim de se coibir reiteradas violações aos direitos dos trabalhadores.





CONCLUSÃO



A prática do assédio moral causa sérios danos psicológicos ao assediado, mas também traz consequências econômicas para as organizações. É que o estado de perturbação do empregado poderá levar à queda na produção ou à alteração da qualidade do produto, influindo negativamente na imagem da empresa, provocar acidente de trabalho ou induzir à aposentadoria precoce.



Nada obstante, para caracterizar-se o assédio moral é necessária a prática reiterada, voluntária, proposital, que induz à degradação do ambiente de trabalho, causando danos à saúde da vítima, debilitando-a de tal forma, emocional e psicologicamente, que a demissão se apresente como a única forma de cessar o sofrimento.



As mulheres, heroínas da dupla jornada, não podem continuar a ser discriminadas, cabendo a todos lutar pela igualdade de gênero, em todos os setores da vida humana.



A relação entre os empregados ou entre estes e os empregadores deve ser saudável e de mútuo respeito. Assim, incumbe ao Estado, aos sindicatos, às associações, órgãos de classe etc. adotarem medidas de conscientização, no sentido de prevenir o assédio moral. Palestras, consultas a psicólogos e outros especialistas devem ser realizadas, bem como a criação de norma interna, todas com caráter preventivo.



A especificidade da condição feminina deve sempre ser considerada, mas os detentores dos meios de produção e os trabalhadores também necessitam se empenhar nesta luta, que não é apenas da mulher, mas de toda a sociedade.

Tereza Rodrigues Vieira e Marta Scalco


TEREZA RODRIGUES VIEIRA é Pós-Doutora pela Université de Montreal (Canadá), Doutora em Direito pela PUC-SP e Université de Paris. Possui Especialização em Bioética na Faculdade de Medicina da USP. Professora e Pesquisadora do Mestrado em Direito na Universidade Paranaense (Unipar). Advogada em São Paulo.



MARTA FERREIRA SCALCO é formanda do Curso de Direito da UNIPAR, campus Umuarama.

PEDOFILIA • O MAL QUE ASSOLA O MUNDO

Lauro Monteiro


Médico Pediatra. Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e editor do site Observatório da Infância.
O avanço da pedofilia na sociedade é uma realidade incontestável e tornar-se-á admissível se ao longo dos anos confirmar-se o prognóstico dos próprios pedófilos, no sentido de que “assim como os homossexuais lutaram pelos seus direitos e acabaram sendo aceitos, assim também nós, pedófilos, estamos lutando e seremos aceitos”.1




Muito embora nada justifique essa prática execrável, remonta ao mundo greco-romano o uso de menores para a satisfação sexual de adultos. Como se vê, infelizmente, isto não é novidade. Pelo contrário, há mais de dois mil anos já era um costume tolerado pela sociedade.



Mas, poder-se-ia indagar se os pedófilos não estariam antevendo um declínio ou uma decadência social? Creio que não. O pedófilo é um doente e como tal deve ser tratado. Existem, contudo, indivíduos que vivem quase à margem da sociedade e, ignorando a lei que não permite atividade sexual com pessoas abaixo de dezoito anos, saem à cata de adolescentes de catorze, quinze anos, às vezes verdadeiras mulheres do ponto de vista físico, para a prática sexual.



No Brasil, o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes teve início ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso por conta de pressões internacionais, já que a questão envolve direitos humanos. O trabalho intensificou-se na última década e os bons resultados obtidos deixam claro que nosso país não serve de porto para abrigar a exploração sexual de crianças e adolescentes, ao contrário de alguns países da Ásia, em que é bastante intensa a utilização de menores com objetivos sexuais comerciais. Entre nós, o que mais preocupa é a violência sexual predominantemente dentro de casa, praticada por pais, padrastos, avôs, tios etc.. Nesse aspecto, ainda estamos muito atrasados.



Faça-se aqui um parênteses para explicitar que pedófilo é o indivíduo que gosta de criança e adolescente do ponto de vista sexual, preferencialmente até 13, 14 anos de idade, quando se tornam púberes. Com o advento da puberdade, o pedófilo perde o interesse nesses indivíduos. Tal característica evidencia tratar-se de um pervertido sexual, um doente. Por outro lado, o denominado “pedófilo ocasional” é aquela pessoa que, num determinado momento de sua vida, passa a ter atração por crianças e adolescentes, podendo chegar ao ato sexual. Com isto, quer-se dizer que pedófilo é também o indivíduo que sente um grande prazer em contemplar a criança ou adolescente, depois retorna à casa para se masturbar, sem que ninguém o saiba. Ou seja, este sujeito pode ter pensamentos pedofílicos, mas não concretizar o ato, salvo se surgir a oportunidade. O pedófilo não se distingue na sociedade pela aparência e, na maioria das vezes, goza da intimidade e da confiança da família da criança ou do adolescente. Daí a importância de que os pais estejam sempre alertas.



Todas as situações do cotidiano envolvendo crianças e adolescentes interessam ao pedófilo. Cite-se como exemplo o caso de um síndico de um prédio da Zona Sul do Rio de Janeiro, um indivíduo com mais de sessenta anos, já avô, em que todos os moradores confiavam a guarda de seus filhos durante o banho de piscina e que, mais tarde, se descobriu tratar-se de um abusador. Obviamente, isto é possível de ocorrer também com um diretor ou professor de creche ou escola fundamental, ou de natação, um religioso, o que, aliás, tem sido muito comum, dada a confiança depositada nele pela família e, sobretudo, pelo adolescente, e até mesmo por um pediatra.



Com relação aos padres acusados de pedofilia, é importante destacar que se trata de homosse­xuais que têm preferência por meninos pequenos ou adolescentes. Em síntese, pode-se definir o pedófilo como aquele indivíduo que gosta de crianças e adolescentes, entre zero e 14 anos, para realização sexual com ou sem contato físico. Na prática médica, tomei conhecimento do caso de uma criança de apenas três meses abusada sexualmente.



Infelizmente, registros apontam que tanto a violência física quanto a violência sexual e o maltrato psicológico são comuns em todas as camadas sociais e estratos econômicos, em qualquer país do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Esta situação é agravada por fatores como estresse, problemas psicológicos e psiquiátricos, não se podendo, a toda evidência, atribuir à miséria a causa principal dessas práticas.



Um outro aspecto a ser considerado é que o pedófilo por necessidade compulsiva e obsessiva, em geral, começa a prática da pedofilia com crianças com menos de cinco anos de idade. Uma vez o filho de um pedófilo disse-me que o pai era viciado em crianças. “Ele abusou da minha irmã e vai abusar de outras crianças. Quer dizer, não se trata de um dependente químico [maconha, cocaína ou qualquer outra droga], mas está doente, porque obsessiva e compulsivamente busca crianças”. Exemplo disso pode ser conferido no filme intitulado “Preciosa”, em que as relações incestuosas entre pai e filha começaram com abusos sexuais quando ela tinha somente três anos de idade.



Abusos sexuais contra crianças de dois, três, quatro meses não são frequentes. Lembro-me, contudo, de um caso em que não houve penetração, até porque anatomicamente talvez fosse impossível, a não ser com lesão gravíssima – e não havia –, mas a pessoa sentiu tanto prazer que ejaculou na vulva de uma menina de três meses de idade por fricção, o que é de se lamentar profundamente.



No tocante à prática da pedofilia por mulheres, é possível dizer, com base em informações prestadas por psiquiatras, que é comum elas manifestarem pensamentos pedofílicos, mas sem uma atuação efetiva, salvo a prática de beijar, manipular o pênis do próprio filho com ereção. Evidente que tal prática não está dentro da normalidade, além do desrespeito aí configurado.



Na verdade, a pedofilia é uma psicopatologia que atinge homens e mulheres, indistintamente, e, portanto, deve ser tratada de modo adequado. Nada obstante, é importante distinguir os pedófilos, que na realidade são doentes, daqueles indivíduos (homens e mulheres) que aos quarenta anos de idade acreditam ter o direito de se relacionar sexualmente com garota(o) de 13, 14 anos somente porque ela(e) é bem mais “apetitosa(o)” do que a mulher(marido). Neste ponto, é preciso alertar que a utilização de crianças e adolescentes em atividades que denotam sensualidade estimula o apetite sexual de alguns adultos e, por isso, deve ser combatida.



A mídia, em particular, tem um papel importante na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, mas cede, muitas vezes, na busca de audiência, apesar dos códigos de conduta e de ética a que os veículos de comunicação estão sujeitos, levando ao ar cenas que induzem à erotização precoce.



Observe-se que uma coisa é a sexualidade do adulto, que é genital. Outra é a sexualidade do bebê de um mês, dois meses, ou da menina ou do menino de dez, onze, doze anos, que já não é genital. Deve, por isso mesmo, a mídia ser fiscalizada por toda a sociedade, como, aliás, já vem ocorrendo. Muitas são as denúncias recebidas pelo “Observatório da Infância” acerca da veiculação de cenas protagonizadas por crianças e adolescentes que estimulam o sexualismo precoce.



Veja-se, ademais, que um grande número de pedófilos se utiliza da Internet para divulgar suas ideias, os seus “direitos” e, principalmente, o “código dos boy lover” – regras que estabelecem como um boy lover [pedófilo ativo que adora meninos] deve se comportar diante de crianças. Aliás, a rede mundial de computadores transformou-se no paraíso dos pedófilos, porque é a maneira mais democrática, mais barata e mais rápida de se comunicar, além de permitir mudanças constantes de site ou e-mail. Daí porque é difícil controlar a atividade dos pedófilos.



Já o telefone celular e outros meios de comunicação bastante utilizados pelos jovens propiciam aquilo que os especialistas denominam de bulliyng pela Internet ou cyberbullying, ou ainda sexting, isto é, a divulgação de fotos de atividade sexual praticada por algum integrante do grupo, em geral, após o término do relacionamento. É uma situação preocupante e que estimula também a pedofilia, porque nada melhor para um pedófilo do que imagens de crianças e adolescentes nus fazendo sexo oral.



Sobre a gravação de imagens, vem à lembrança o caso de um respeitado médico pediatra paulista, que hoje se encontra preso. Penso que as imagens gravadas de pacientes nus, atendidos em seu consultório, serviam para estimular a prática da masturbação e, por conseguinte, dar prazer. Este é um caso explícito de pedofilia, ao contrário dos adultos considerados normais que compram revistas eróticas somente para ter o prazer de ver homens relacionando-se com mulheres, mulheres com mulheres etc.



Esses e outros temas correlatos, como a violência física, psicológica e sexual praticada dentro de casa contra a criança e o adolescente têm sido objeto de preocupação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que congrega pediatras de todo o país, e também de organizações internacionais, como a Academia Americana de Pediatria.



De uns anos para cá, a SBP tem desenvolvido um intenso trabalho em favor dos direitos de crianças e adolescentes, inclusive o de viverem uma infância sem traumas, tanto na escola quanto em casa, o que, a meu ver, merece o reconhecimento de toda a sociedade brasileira.



Na esfera governamental, creio um equívoco considerar prioridade o combate à exploração sexual que, em geral, não envolve crianças, e sim adolescentes já púberes. No meu entender, o foco deveria ser a prevenção. Ou seja: há que se fortalecer a autoestima, a identidade das crianças no seio da família para evitar que saiam às ruas e se “entreguem” por um “dinheirinho” qualquer.



A tônica da Sociedade Brasileira de Pediatria é quanto à necessidade de se investir em prevenção, já que o abuso sexual ocorre predominantemente dentro da família ou com pessoas próximas, como professores, conselheiros, religiosos etc.



Registro aqui que a criação da organização não governamental ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência, da qual fui presidente por 18 anos, levou-me a participar, justamente na área da violência sexual e dos direitos humanos, da implantação do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, ainda nos anos 1990. O que se discute atualmente já é o terceiro que se busca implantar. Ocorre que o abuso sexual não deve ser discutido no âmbito do PNDH, e sim como vêm fazendo as Sena­doras Patrícia Saboya (PDT-CE) e Rita Camata (PSDB-ES) e tantos outros segmentos da sociedade.



Em verdade, o debate acerca da violência sexual tem se voltado para a punição do agressor e não à prevenção, além de os programas existentes valorizarem situações de miséria como a principal causa da violência sexual contra crianças e adolescentes, o que não condiz com a realidade.



É evidente que uma situação de promiscuidade intensa facilita o abuso sexual, assim como a falta de perspectiva de vida e a baixa autoestima de uma menina de 10 anos, por exemplo, que mora em uma favela, onde o traficante manda e ela tem que ceder. Mas isto não quer dizer que a pobreza seja a causa principal da violência sexual, ou mesmo a droga, e sim fatores, dentre outros, desencadeadores dessa prática criminosa.





CONCLUSÕES



 O abuso sexual deve ser discutido por toda a sociedade organizada.



 A prevenção dessa prática delituosa deve ter como foco a família e, principalmente, a escola, que assume uma importância maior diante de uma família abusadora, seja física ou sexualmente.



 Cabe à escola, prioritariamente, ensinar a criança a se defender do abuso sexual, inclusive daquele praticado pelos próprios pais.



 Ao Estado cumpre realizar investimentos nas escolas, nos âmbitos municipal, estadual e federal, além de oferecer treinamento aos professores acerca de temas envolvendo a sexualidade humana, de forma a torná-los aptos ao enfrentamento de eventuais casos concretos.



 Não há que se confundir abuso sexual com exploração sexual, que, por configurar-se comércio ilícito, envolve dinheiro, banditismo, repressão etc.



 Compete à sociedade esforçar-se para impedir que meninas de 10, 12 anos sejam utilizadas em posições sexualmente atraentes e, ao Estado, valer-se do poder coercitivo diante dessa realidade.

Revista Jurídica Consulex nº 315